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A vinha e os trabalhadores

“Ou não me é lícito fazer o que quiser do que é meu?” (Mateus 20:15)

No estudo dos evangelhos, a tentativa de interpretação das parábolas atribuídas a Jesus é sempre uma atividade muito rica. A própria natureza do texto (histórias curtas, cheias de imagens e com um fundo moral) possibilita várias perspectivas.

O versículo acima está na parte final da chamada “parábola dos trabalhadores da vinha”. Para muitas pessoas, esta parábola é curiosa e intrigante. Resumidamente, o proprietário de uma vinha assalaria trabalhadores durante todo o dia, desde a primeira até à última hora. Ao final do dia de trabalho, paga a todos a mesma quantia: um denário. Muita gente (como o trabalhador no final da história) questiona a noção de justiça aplicada pelo senhor da vinha.

A maior dificuldade na interpretação é que, geralmente, a figura do senhor da vinha é associada a Deus. E, se Deus é justo, o “pagamento” dado a cada trabalhador não parece justo. Muitos fazem um contorcionismo intelectual para tentar explicar esta situação.

Acreditamos que é mais simples, como tentativa de entender o texto, mudar a perspectiva. O problema é que, para variar, estamos atribuindo a Deus a “nossa” noção de justiça. Nossa noção de justiça é baseada na desigualdade, pois vivemos num mundo em que as desigualdades preponderam. Pensamos, então, que “fazer justiça” se resume a tratar a todos igualmente, com os mesmos direitos e deveres. Assim, cada trabalhador deveria receber proporcionalmente às horas trabalhadas.

Esquecemos um fato básico: para Deus não somos desiguais – somos iguais[i]. As desigualdades que encontramos entre os Espíritos só aparecem quando os comparamos entre si, ou seja, um Espírito em relação a outro Espírito. Porém, para Deus não há diferença: todos estamos sujeitos às mesmas leis naturais. Dito de outra forma: o “denário” oferecido por Deus é o mesmo para todos, diariamente. Já o trabalho (evolutivo) realizado por cada Espírito, este sim é diferente e individual.

Entender um fato tão simples é essencial para ampliar a nossa noção de “justiça”. É curioso que, no estudo das leis naturais, Kardec tenha colocado em um só capítulo as questões relativas à justiça, ao amor e à caridade[ii]. É uma dica de que, de forma mais ampla, “justiça” não significa apenas “igualdade externa” ou “merecimento”, mas envolve as noções de necessidade, misericórdia, amparo, solicitude e fraternidade, entre muitas outras.

Aproveitar nosso trabalho na vinha, tenhamos chegado há mais ou menos tempo, tornando-nos dignos do denário recebido, é o convite que recebemos diariamente.


[i] O Livro dos Espíritos. Allan Kardec. Questão 803.

[ii] O Livro dos Espíritos. Allan Kardec. Livro 3. Cap. 11.

Ely Edison Matos

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