CARE 52

Autoperdão

“(…) quantas vezes errará contra mim o meu irmão e o perdoarei? (…)” (Mateus 18:21)

A famosa questão que Pedro apresentada a Jesus é plenamente justificada. Imersos numa cultura em que predominava uma noção de justiça baseada em leis rígidas, muitos judeus tiveram dificuldade para compreender a ideia de perdão proposta pelo Mestre. Aliás, esta dificuldade existe até hoje, mesmo entre os cristãos.

O conceito de perdão é quase sempre associado a algo que “o outro” fez em relação a nós. Conversamos muito sobre a necessidade de perdoarmos as faltas alheias, bem como a de sermos perdoados pelos outros pelas nossas faltas. Só muito recentemente o “autoperdão” passou a ser discutido em nossos estudos.

Tanto a ideia inicial de que “Deus perdoa” (ou pune), quanto a ideia de que devemos perdoar, estão associadas à existência de um código moral exterior a nós mesmos. É como se houvesse um código legislativo externo ao qual precisamos obedecer, sendo punidos quando cometemos alguma infração. Estas ideias estão presentes em muitas expressões religiosas, inclusive no Espiritismo, onde este código é chamado de “leis morais”, “leis divinas” ou “leis naturais”[i].

Estas leis são essenciais para dirigir o Espírito nas suas primeiras jornadas evolutivas, quando a sua condição intelecto-moral ainda não possibilita uma compreensão maior da realidade. Porém, a partir das experiências em milhares ou milhões de anos, gradativamente este mecanismo vai sendo incorporado ao patrimônio espiritual de cada individualidade. Talvez seja esta a razão de Allan Kardec ter anotado que a “Lei de Deus” está escrita na consciência[ii].

Isto significa que, além de um código moral externo, todos (que já alcançamos esta etapa da evolução) temos também um código moral interno. Quando cometemos um erro, uma falta, um crime, estamos infringindo não apenas uma lei exterior, mas uma lei interior. A quebra do nosso código moral interno gera o sentimento de culpa, que pode evoluir para o remorso. E a culpa, como sabemos, é origem de muitas enfermidades espirituais e físicas.

Neste ponto, podemos parafrasear a questão de Pedro: “quantas vezes errarei (contra mim mesmo) e me perdoarei?” Entendendo que o perdão não significa ignorar, minimizar ou esquecer a falta, mas compreender a situação em que ela aconteceu e ressignificá-la. O mesmo valeria para a questão do autoperdão.

Não se trata de justificar nossos erros, alegando falta de evolução ou imperfeição moral, mas buscar entender como nossos desejos, motivações e aspirações ainda nos levam a errar. E, naturalmente, buscar ajustar tais motivações. Por isso, autoperdão implica autoamor e autoconhecimento. Autoperdão é um exercício de crescimento espiritual.


[i] O Livro dos Espíritos. Allan Kardec. Parte Terceira.

[ii] O Livro dos Espíritos. Allan Kardec. Questão 621.

Ely Edison Matos

Página 4