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Kardec, o prazer e o pecado

Considerando prazer como uma sensação de satisfação ou bem-estar que surge em decorrência da satisfação de um desejo e pecado como atitudes eticamente reprováveis, que causam prejuízo para nós mesmos e para os outros, vejamos o que diz Allan Kardec:

Deus não condena os gozos terrenos; condena, sim, o abuso desses gozos em detrimento das coisas da alma. [i]

É contundente a afirmação de Kardec: Deus não condena os gozos terrenos! E não poderia ser de outra forma: foi Deus, através da evolução biológica e espiritual que fez com que diversos comportamentos humanos se tornassem prazerosos. Não poderia Deus condenar o que Ele próprio criou: o prazer de um copo de água fresca quando temos sede, de uma refeição quentinha quando temos fome, da segurança do lar, da intimidade sexual com a pessoa amada, ou do sentir-se querido e valorizado pela comunidade em que estamos inseridos. Todas essas condições são respostas prazerosas a condições prévias, que de uma forma ou de outra, se tornaram “necessárias” em algum momento. E por que Deus/evolução as fez prazerosas? Exatamente porque são necessárias à nossa sobrevivência, à sobrevivência de nossa espécie e ao nosso bem-estar subjetivo. Se não fossem prazerosas, poderiam ser negligenciadas, comprometendo o plano divino do progresso pessoal e coletivo.

No entanto, ao mesmo tempo em que Kardec ratifica a ideia de que nada tem de pecaminoso o usufruto prazeroso dos bens da Terra, o codificador alerta quanto ao abuso, o excesso e o desequilíbrio: Deus condena o abuso desses gozos em detrimento das coisas da alma. Que são coisas da alma? A vida plena (em abundância, como disse Jesus), a paz, a saúde mental, a ausência de dor e angústia, o conhecimento e a sabedoria, a serenidade e a calma. Todas as vezes em que a busca do prazer extrapola os limites da funcionalidade e compromete negativamente os valores do espírito, torna-se “pecaminosa”, porque disfuncional, carreando consigo sofrimento a nós mesmos e àqueles que convivem conosco.

Nosso prazer não pode ser fonte de sofrimento… para nenhum ser vivo. Penso que seja isso o que nosso codificador quis dizer.


[i] O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. 2, item 6.

Ricardo Baesso de Oliveira

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