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O Apocalipse e a modernidade líquida

Quanto mais estudamos o Apocalipse, o livro que encerra o Novo Testamento, mais nos surpreendemos com a sua atualidade. Nos capítulos 2 e 3, o autor e apóstolo João, apresenta uma série de cartas endereçadas a sete igrejas. Segundo alguns intérpretes, os documentos se referem, em primeiro plano, às células cristãs do primeiro século. O texto comporta, ainda, uma segunda camada interpretativa, onde cada epístola aponta para um intervalo de tempo percorrido pelo movimento cristão através dos séculos. Assim, cada carta se refere a um dia na semana apocalíptica. A sétima carta se refere a uma igreja chamada Laodiceia e aponta para o último período do Cristianismo, antes da chegada do mundo de Regeneração.

A Carta para a igreja de Laodiceia chega a impressionar pela exatidão de sua presciência (A Gênese, cap. XVI – Allan Kardec). João descreve uma sociedade abastada, orgulhosa, fascinada pela tecnologia, sem perceber, contudo, que espiritualmente estava “miserável, pobre, cega e nua”. A linguagem do livro Apocalipse é dramática, pois seu objetivo é despertar uma humanidade que sucumbe ao sono entorpecedor da alma. A miserabilidade significa escassez de valores nobres. A pobreza aponta para a falta de espiritualidade. A cegueira e a nudez indicam falta de discernimento e escândalos até mesmo entre os que se intitulam cristãos.  

O benfeitor Emmanuel, no prefácio do livro Paulo e Estêvão, faz alusão às “igrejas mornas da atualidade”. Jesus usa a mesma metáfora, na carta para Laodiceia, dizendo: “Conheço as tuas obras, e vejo que não és frio, nem quente; quem dera tu fosses frio ou quente. Mas, porque és morno, estou a ponto de vomitar-te da minha boca.” (Ap 3:15,16).

Eis uma das características dos tempos modernos, cunhada pelo filósofo Zygmunt Bauman por “modernidade líquida”, a qual se refere a uma nova época em que as relações sociais e econômicas são frágeis, fugazes e maleáveis, como os líquidos, em detrimento dos valores sólidos que se traduziam em relacionamentos fortes, respeitáveis e duradouros. Essa é a única carta em que Jesus está situado do lado de fora da cristandade, como que buscando espaço para reintroduzir os seus ensinos. Assim Ele se expressa: “Eis que estou à porta e bato; se alguém abrir, entrarei e cearei com ele, e ele comigo.” (Ap 3:20). Ora, o gesto de bater à porta, indica estar o Cristo posicionado do lado de fora, o que é grave e nos convida a uma sincera reflexão sobre se estamos, de fato, vivenciando e exemplificando a Boa Nova.

Rafael dos Andes

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