CARE 58

Quando o galo canta

“(…) E imediatamente o galo cantou.” (Mateus 26:74)

A passagem referente à negação de Pedro talvez seja uma das mais conhecidas do texto evangélico. É também uma das que mais gera questionamentos em nossos estudos: como Pedro, que conhecia Jesus tão proximamente, pode negá-lo? Por que ele teria feito isso? Quais as consequências deste ato? A atração exercida pela passagem poderia estar associada ao fato de mostrar uma personagem tão venerada tendo uma reação típica do nosso estado evolutivo.

O Espiritismo nos explica que o progresso espiritual é constante. Em certos períodos, ele é mais rápido; em outros, ele é mais lento. A jornada é semelhante para todos nós, mas os detalhes são bastante individuais, já que dependem da nossa história espiritual. Progredimos incessantemente, não só através daquilo que a vida nos oferece em termos de experiências, mas principalmente pela maneira como nós reagimos a essas experiências.

É possível aprender com os erros alheios, bem como com os nossos próprios erros. Esse aprendizado evitaria nosso tropeço nas mesma pedras que já derrubaram alguns antes de nós. Nossa visão, porém, muitas vezes é embaçada pelo orgulho: acreditamos piamente que “nunca” vamos cometer os mesmos erros que vemos nos outros, e acreditamos, quase sempre, que todas as nossas atitudes são “corretas” e “justas”. Esta é uma fórmula ideal para tropeçarmos e cairmos muitas vezes.

Motivados pela ignorância, pela vaidade, pela influência do meio, ou simplesmente por nossas emoções, cometemos a mesma falha uma, duas, três vezes, até que “o galo canta”. O uso da figura do galo no texto de Mateus é curiosa. O cantar do galo representa, metaforicamente, o nascer de um novo dia, um novo despertar. No texto ele representa o “cair em si”, o reconhecimento de que um erro foi cometido, um “despertar da consciência” – pelo menos em relação àquela falta específica.

Os textos espíritas geralmente usam a expressão “arrependimento”, para esta situação[i]. O arrependimento também é colocado com uma das “condições necessárias para apagar os traços de uma falta e suas consequências”[ii]. O arrependimento pressupõe que saibamos distinguir o bem do mal, o certo do errado. No entanto, para aprender esta diferença, ou vamos precisar de novas experiências – e isso demanda tempo – ou vamos precisar que algo ou alguém nos mostre o nosso erro.

Ambos os caminhos apresentam desafios. A primeira opção – aprender sozinho – geralmente envolve a repetição da atitude equivocada até que a dor mostre que estamos em erro. A dor poderia ser evitada pela reflexão, pelo discernimento, pelo estudo de si mesmo. Mas é relativamente raro que isso aconteça. A segunda opção – aceitar a orientação externa – demanda um certo grau de humildade para vencer o orgulho que existe em nós. Muitas vezes insistimos na ação errada apenas para que nosso orgulho não seja ferido. E assim, ampliamos a possibilidade da dor acontecer.

Como visto, precisamos estar mais atentos aos “galos cantando” ao nosso redor. Da mesma forma que Pedro havia sido avisado com antecedência, nós também o somos todos os dias. Um pouco mais de atenção e vigilância evitarão dores desnecessárias.


[i] O Livro dos Espíritos. Allan Kardec. Questões 990-993.

[ii] O Céu e o Inferno. Allan Kardec. Cap. 7. Código penal da vida futura. Item 16.

Ely Edison Matos

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