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Do primitivismo ao amor

Allan Kardec, ao compilar o ensinamento do Espírito de Verdade no resumo teórico da motivação das ações do homem, na questão 872 de O Livro dos Espíritos, nos diz: “Assim, o livre-arbítrio existe no estado de Espírito, com a escolha da existência e das provas, e no estado corporal, na disposição de ceder ou de resistir aos arrastamentos a que estamos voluntariamente submetidos. Cabe à educação combater essas más tendências; ela o fará utilmente quando estiver baseada no estudo aprofundado da natureza moral do homem. Pelo conhecimento das leis que regem essa natureza moral será possível modificá-la, como se modifica a inteligência pela instrução, e como a higiene, que preserva a saúde e previne as doenças, modifica o temperamento.”

Para que possamos modificar essas más tendências traduzidas no ceder aos arrastamentos que foram nossas próprias escolhas, quando ainda desencarnados, necessitamos, portanto, compreender melhor sua origem e buscarmos nos educar diante (do conhecimento) das leis que regem a natureza moral.

Joanna de Ângelis, no livro Conflitos Existenciais, capítulo Amor, nos orienta que “A predominância do instinto, na sucessão dos milhares de anos, desenvolverá o sentimento de posse, e este, o do medo da agressão, induzindo comportamento violento em defesa da própria vida. Ao longo dos milênios, ao alcançar o estado de humanidade, a herança acumulada nos milhões de anos transcorridos no processo de contínuas transformações, desencadeia a preponderância do egocentrismo, de início, seguindo o caminho do egotismo exacerbado até o momento quando ocorre a mudança de nível de consciência adormecida para a desperta, responsável por aquisições emocionais mais enriquecedoras.”

Ou seja, aqui percebemos que a origem de nossas más tendências está fundamentada no sentimento de posse e no medo da agressão. É o nosso instinto de conservação se mostrando.

Continua a Benfeitora: “Dos impulsos desconexos da proteção às crias, na fase animal, esse psiquismo avança na escala evolutiva sob a contribuição dos sentimentos de defesa e de orientação que surgem nos primórdios da razão, embora sob os impositivos da dor. O medo, que predomina na natureza animal, transfere-se para o ser humano, que aprende a submeter-se, de modo a poupar-se aos sofrimentos, a diminuir as aflições. A domesticação da fera transforma-se em educação do indivíduo humano e social, que aprende a discernir e a compreender o significado, o sentido psicológico e real da existência.”

Vemos, nesse trecho, o medo como um fator de proteção da própria vida, se dentro dos padrões ditos como saudáveis. Prejudicial será quando esse medo exacerba, impedindo o bom relacionamento com os demais. Além disso, podemos observar a consonância entre os ensinamentos de Allan Kardec e Joanna de Ângelis, demonstrando que a educação, através do desenvolvimento da capacidade de discernimento e da compreensão das leis que regem a natureza moral nos auxiliarão no processo de modificação das más tendências.

Em O Livro dos Espíritos[i], encontramos o seguinte questionamento: “Que pensais da divisão da lei natural em dez partes, compreendendo as leis de adoração, trabalho, reprodução, conservação, destruição, sociedade, progresso, igualdade, liberdade e, por fim, a de justiça, amor e caridade?”.

Ao que o Espírito de Verdade responde: “Essa divisão da lei de Deus em dez partes é a de Moisés, podendo abranger todas as circunstâncias da vida, o que é essencial. Podes, pois, adotá-la, sem que, por isso, tenha qualquer coisa de absoluta, como não o tem nenhum dos outros sistemas de classificação, que todos dependem do prisma pelo qual se considere o que quer que seja. A última lei é a mais importante, por ser a que faculta ao homem adiantar-se mais na vida espiritual, visto que resume todas as outras.”

Vale notar que, na última frase da resposta, identificamos que os Espíritos classificam a lei de justiça, amor e caridade como a mais importante das leis divinas por facultar ao homem o adiantamento na vida espiritual. Nela, vemos que o amor se encontra no centro. Basta que avaliemos que justiça sem amor torna a vida dura e sem espaço à misericórdia e que caridade é o amor em movimento. Assim, se conseguirmos desenvolver o amor em nós, estaremos dando passos largos no processo de ajuste das más tendências.

Buscamos, portanto, mais uma vez, o auxílio da Benfeitora: “Esse desenvolvimento ocorre mediante a contribuição moral do esforço para que o indivíduo adquira independência, seja capaz de amar, após exercitar-se no autoamor, superando os conflitos da insegurança, do medo, das resistências à entrega. Jornadeando na infância emocional, o ser imaturo deseja receber sem dar, ou quando oferece, espera a retribuição imediata, compensadora e fácil. Somente após descobrir que a vida é portadora de muitos milagres de doação em todos os aspectos em que se apresente, é que o Self discerne, deixando de ter necessidade de receber para poder regatear emocionalmente, identificando a excelência do ato de amor sem restrições, sem as exigências egóicas que descaracterizam o ato de amar.”

Aqui observamos que o desenvolvimento do amor se dá, em primeiro lugar, no exercício do autoamor que nos auxilia na superação da insegurança, do medo e das resistências à entrega, para, somente depois, expandir-se na direção do outro no exercício do oferecer sem esperar retribuição.

Assim, que saibamos compreender que mais importante do que sermos amados é sabermos amar.

Jesus nos ensinou[ii]: “Fazeis aos homens tudo o que quereis que eles vos façam; porque é a lei e os profetas”

A Benfeitora vai mais além, colocando que “cada um deve manter a preocupação de oferecer mais do que recebe, resultando em constante permuta de emoções felizes”.

Assim, vamos percebendo que o amor resulta de um estado de amadurecimento psicológico do ser humano, que deve treinar as emoções, partilhando os sentimentos com tudo e com todos.

Deus os abençoe sempre!


[i] Questão 648.

[ii] Mateus 7:12.

Paulo Henrique de Assis

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