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A filosofia espírita

Na folha de rosto de “O Livro dos Espíritos”, Kardec define a obra: Filosofia Espiritualista, desapontando talvez aqueles que esperariam uma discussão sobre um espiritualismo teórico, distanciado da realidade material em que o Espírito imortal se acha imerso na vida terrena.

Ao longo da obra, Kardec revela-se um filósofo que vê o Espírito humano, não como uma criatura que tem alma, mas como um Espírito imortal que dispõe de um corpo físico durante um período de tempo, na Terra, tempo que deve ser aproveitado para o seu aprimoramento.

O Espiritismo tem posicionamentos filosóficos diferentes daqueles de outros setores religiosos, ensinando que a criação é una, portanto todos os Espíritos partem de um mesmo ponto, destinados à perfeição, a ser conquistada por esforço próprio, em sucessivas encarnações. A luz imanente no santo e no criminoso é absolutamente igual. A diferença que se observa entre esses dois Espíritos reside apenas no tempo e no esforço despendido para exteriorizá-la. Daí o incentivo de Jesus: “Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens (…)” (Mateus, 5: 16).

A filosofia espírita resgata integralmente a figura do Deus misericordioso, apresentado por Jesus, ao não aceitar a tese das penas eternas, contrapondo a ela a oportunidade de reparação do mal anteriormente praticado, através da reencarnação do Espírito. A reencarnação, na filosofia espírita, é vista não para o cumprimento de penas em função de males anteriormente praticados, conforme outras doutrinas reencarnacionistas, mas como oportunidade de o Espírito evoluir, elevar-se, ao tempo em que repara o mal anteriormente praticado e coloca sua consciência em paz, dignificando-se.

Mostrando o corpo não como parte essencial do Ser, mas como instrumento de sua manifestação na Terra, fortalece a tese da imortalidade da alma, demonstrando que ela não é apenas um ser cuja existência teria começado no ventre materno, fadada a sobreviver à morte, pois que a alma já existia antes da formação do corpo, e que continuará existindo depois da destruição deste, fato já conhecido mesmo antes da vinda de Jesus, registrado no Velho Testamento: “Antes que te formasse no ventre te conheci (…).” (Jeremias, 1:5).

Essa filosofia objetiva, não mística, é que levou Kardec a elaborar “O Livro dos Espíritos”, obra religiosa, em que aborda os assuntos não sob uma perspectiva teológica, mas humana, social, inserindo a moral cristã em todos os ramos de atividades sociais discutidas na obra. A filosofia espírita não admite a separação entre atividade religiosa e profana, revivendo os ensinamentos e os exemplos de Jesus, que nunca fez essa distinção.

Esse posicionamento filosófico do Espiritismo é facilmente constatável, principalmente na 3ª Parte de “O Livro dos Espíritos”, intitulada Leis Morais, onde Kardec dialoga com Espíritos Superiores sobre as mais variadas atividades humanas, levando a moral cristã – até então comentada e vivenciada no interior dos templos – às atividades comuns da vida social, numa prática que se pode chamar de “religião fora dos templos”. Com essa atitude, o Codificador concretiza a ideia de que Deus está em todos os lugares, ou seja, de que estamos sempre em presença de Deus. A filosofia espírita desautoriza completamente a separação entre lugares sagrados e profanos, pois que para Jesus não havia essa distinção. Entendia o Mestre que seus seguidores não se deveriam apartar da vida em sociedade, conforme registrou: “Ide, eis que vos mando como cordeiros ao meio de lobos. (Lucas, 10:3). Recomendação igual é registrada por Mateus (10:16).

José Passini

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