Imortalidade da alma
A morte amedronta tanto o ser humano, que este assume posturas as mais variadas, desde aquelas infantis, em que nega toda a sua maturidade, até outras em que chega a negar a sua condição de ser racional. É profundamente estranho que essa criatura, que se pavoneia de ser o rei da criação, se mostre tão dolorosamente despreparada diante da única certeza comum a todos os seres humanos: a certeza da morte.
Ao perguntarmos a uma pessoa onde quer ser enterrada quando morrer, quase sempre ouviremos como resposta a designação de um local de sua preferência. Em seguida, ao ser interrogada sobre o destino da sua alma, afirmará ter esperança da sua ida para o céu. Mas a fragilidade desse posicionamento é facilmente demonstrável diante de um simples questionamento: “E se ela não for para o céu e sim para o inferno, que isso importa a você, por que é ela quem vai e não você? Você não afirmou que deseja ficar enterrado em tal lugar? Ora, se você vai ficar enterrado no lugar que escolheu, não importa o lugar para onde ela vá. Você estará com seu lugar garantido no túmulo escolhido.”
Essas perguntas causam perplexidade e levam muitas pessoas, pela primeira vez, a usarem seu raciocínio no exame do assunto morte. Depois de algum tempo, costumam aparecer saídas como esta, ditas até em tom vitorioso: “Não sou eu quem vai ser enterrado em tal lugar; é o meu corpo!” Mas, com essa afirmativa, ao invés de resolver o problema, agrava-o ainda mais.
O ar de vitória desaparece logo, ao se lembrar à pessoa que ela usou dois possessivos: meu corpo e minha alma. Ora, o possessivo, como bem ensinam as gramáticas, é a palavra que indica posse. Se há posse, há possuidor. Quem é o possuidor daquele corpo e daquela alma? Quem está habilitado a apresentar-se como proprietário e, consequentemente, reclamar-lhes a posse?
É exatamente essa falta de racionalidade que leva o homem a fugir do assunto, portando-se como a criança que, ao esconder o rosto atrás das mãos, imagina ter resolvido o problema do seu esconderijo. Ou como o avestruz que, segundo dizem, esconde a cabeça sob a areia, ao se encontrar em perigo.
A criatura humana recusa-se a pensar, porque dói pensar na morte. Meditar, refletir sobre a questão, só pode revelar-lhe a sua fragilidade, o seu despreparo diante do magno assunto, do inevitável acontecimento.
E qual a saída para o impasse? A única posição lógica é aquela de o homem assumir a sua condição de Espírito imortal, detentor da posse de um corpo físico, pelo qual ele se manifesta temporariamente, enquanto esse corpo tiver vida, pois é o Espírito quem pensa, quem aprende, quem odeia, quem ama. O corpo é mero instrumento de uso transitório. Pode-se até dizer que é descartável. O Espírito, não. Ele é imortal, indestrutível. É o arquivo vivo de todas as experiências vividas durante a romagem terrena. No corpo espiritual, que sobrevive à morte do corpo físico, conforme ensina Paulo (I Co, cap. 15), fica o registro de todas as experiências vividas pela criatura humana. Nesse trecho de sua carta aos Coríntios, o Apóstolo deixa muito clara a ressurreição em corpo espiritual: “Como ressuscitarão os mortos? E com que corpo virão?” E, mais adiante, diz: “Assim também a ressurreição dos mortos. Semeia-se o corpo em corrupção; ressuscitará em incorrupção.” (v. 42); “Semeia-se corpo animal, ressuscitará corpo espiritual. Se há corpo animal, há também corpo espiritual.” (v. 44). E, para não ficar dúvida quanto à natureza do corpo da ressurreição, diz: “E agora digo isto, irmãos: que a carne e o sangue não podem herdar o reino de Deus, nem a corrupção herda a incorrupção.” (v. 50).
Com o fenômeno da morte, o Espírito se afasta do corpo que já não mais lhe serve como instrumento, podendo dizer, na ocasião: “habitei esse corpo, serviu-me ele de vestimenta durante muitos anos”. O corpo jamais poderá dizer: “Esse espírito que aí vai foi meu”, simplesmente porque o corpo é matéria morta, que começa a decompor-se tão logo ocorra a morte.
Ao conscientizar-se dessa realidade, o homem passa a ter uma verdadeira consciência de imortalidade. Quanto mais medita sobre o assunto — desde que desligado de explicações de determinados teólogos –, tanto mais adquire um estado de consciência a que se pode chamar “cidadania espiritual”. Passa a sentir-se imortal. A morte já não mais se constitui naquele desastre terrível a bi- ou tripartir-lhe o ser: “Vou para debaixo da terra, minha alma vai para o céu e eu para não sei onde.” Ao assumir a cidadania espiritual, seus horizontes se alargam. Já não é apenas um homem, mas um Ser imortal, cujo destino não se prende apenas à Terra, vez que se sente pertencer ao Universo, às “muitas moradas da casa do Pai”, conforme ensinamento de Jesus (Jo, 14: 2). Assim pensando, chegamos à conclusão de que somos essencialmente espíritos, atualmente encarnados. Um dia deixaremos nosso corpo terrestre, como Jesus deixou o seu, conservando apenas o corpo celeste, imortal, conforme o Mestre, de forma genial ensinou e exemplificou!
A lição mais extraordinária a respeito da imortalidade, dada por Jesus, foi, infelizmente, sepultada pelos teólogos, que preferiram criar a absurda teoria da ressurreição da carne, embora Paulo já a tivesse negado. Nesse particular, há pontos que devem merecer atenção: como Jesus apareceu vestido como um homem da época — a ponto de Madalena, ao vê-lo de costas, imaginar fosse o hortelão –, se o seu corpo fora retirado nu da cruz, pois como atestam os evangelistas, suas roupas foram divididas entre os soldados que, segundo o costume dos romanos, despiam os crucificados. Os tratados teológicos não explicam por que Jesus passou a agir de maneira totalmente diferente de como agia antes do suplício: passara a aparecer e desaparecer subitamente; a atravessar portas fechadas. Além disso, não mais se hospedou em casa de ninguém; não fez mais refeições habituais como fizera até então.
Será que durante esses quarenta dias que medeiam a ressurreição e a ascensão, Jesus não quis mostrar que continuava vivo, mas que não estava mais encarnado? Se o corpo era o mesmo, por que não agira assim antes? Por que voltaria para o “céu”, levando um corpo que não tivera antes? E, raciocinando-se de acordo com o dogma católico-protestante, de Jesus ter sido o próprio Deus encarnado — ou pelo menos um terço da Trindade –, como poderia levar um corpo físico gerado na Terra e acrescentá-lo à Divindade? Nesse caso, Deus não estaria completo até então, pois aquilo que está completo não aceita mais acréscimo algum… Além do mais, esse raciocínio seria aceitável durante a Idade Média, quando a Terra gozava do status de ser o centro do Universo, mas hoje, diante do que se conhece a respeito do Cosmo, é inaceitável tal teoria, mesmo que o Universo fosse constituído apenas pela nossa galáxia, a Via Látea.
Fica, entretanto, para muitas pessoas, uma pergunta que invariavelmente aparece quando são feitos estes comentários: Se o túmulo estava vazio e o corpo com que Jesus se apresentava era espiritual, onde ficara seu corpo físico? O Mestre, evidentemente, não podia esclarecer o assunto àqueles com quem convivera, conforme se comprova em suas palavras, já citadas: “Ainda tenho muito a vos dizer, mas não o podeis suportar agora.” (Jo, 16: 12).
Cumprindo a promessa de Jesus, o Consolador vem relembrar as suas lições e explicar muitos fatos que foram registrados pelos Evangelistas, mas que à época não foram compreendidos, como as súbitas aparições de Jesus no cenáculo, atravessando portas fechadas (Jo, 20: 19) e na pesca (Jo: 21: 4 a 14), e o seu desaparecimento desconcertante diante dos companheiros de caminhada a Emaús (Luc, 24: 31). Tais fatos, tomados por miraculosos por muitos teólogos, encontram no Espiritismo explicações claras e lógicas, não no campo das especulações teológicas, mas dentro da objetividade da Ciência, nas pesquisas do fenômeno de materialização — hoje chamado ectoplasmia pelos parapsicólogos — levado a efeito por vários cientistas, entre os quais se destaca a figura de Sir William Crookes o célebre físico inglês, que pôde provar que o Espírito Katie King, com seu corpo espiritual materializado, limitava-se dentro do plano material como se estivesse encarnado, tornando-se visível, audível e tangível.(“Fatos Espíritas”, William Crookes; “História do Espiritismo”, Arthur Conan Doyle).
Quanto ao desaparecimento do corpo físico de Jesus, pode-se ler esclarecimento sobre a dissipação de fluidos remanescentes em cadáveres, no livro “Obreiros da Vida Eterna”, de André Luiz (caps. 15 e 16). Trata-se de operação piedosa levada a efeito por benfeitores espirituais, que dissipam na atmosfera os fluidos remanescentes no corpo, antes do sepultamento, a fim de resguardá-lo de profanação que poderia ser feita por Espíritos inferiores, habitantes dos cemitérios.
Fazendo-se um paralelo, é lícito supor que o próprio Mestre se haja encarregado de dissipar as energias remanescentes em seu corpo e, ao fazê-lo, desmaterializou-o completamente. É fácil entender que o corpo de Jesus não poderia ficar no túmulo, pois quando se divulgasse a notícia que o Mestre ressurgira da morte, ele seria fatalmente exposto pelos sacerdotes, a fim de negar a ressurreição, que, para quase todos, era apenas física.
E não seria essa a resposta à pergunta crucial deixada no ar pelos cientistas que estudaram exaustivamente o Sudário de Turim, que apresenta impressa a figura de um homem, cujas características coincidem com o que se sabe a respeito do corpo de Jesus, tanto no que tange às características físicas, quanto aos sofrimentos que lhe foram impostos, sem que hajam eles conseguido saber que tipo de fenômeno ocorreu na superfície do tecido para fixar, de maneira indelével, impressionante, aquelas imagens, de frente e de costas? Atestaram os cientistas que essa impressão no tecido não foi provocada por radiação, por calor, nem por ácidos, nem por tintura, nem por pintura. Essa, a conclusão a que chegaram cientistas de vários países, que estudaram exaustivamente o fenômeno. E o enigma continua.
Até hoje, não se sabe o que provocou aquelas impressões que permitem a um computador restaurar a figura de um cadáver que fora flagelado e crucificado, antes de ser deposto sobre aquele pano.
Concluindo, pode-se dizer que o Espiritismo, ao decodificar a mensagem de imortalidade deixada por Jesus, esclarece-nos a respeito do que verdadeiramente somos: Espíritos imortais, temporariamente encarnados em corpos mortais!
Fonte: Médium
José Passini
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