Caridade segundo Kardec
O vocábulo ágape é visto 116 vezes no original grego do Novo Testamento. Tem sido traduzido como amor, mas um tipo particular de amor: universal e incondicional. A Vulgata traduziu a palavra ágape para caritas (caro, nobre), e caritas chegou até nós como caridade.

Kardec teve o cuidado de examinar atentamente o conceito de caridade em vários momentos de sua obra. Talvez o texto mais revelador do seu pensamento seja o item 893 de O Livro dos Espíritos [1].
A pergunta é formulada assim:
Qual a mais meritória de todas as virtudes?
A resposta:
Todas as virtudes têm seu mérito, porque todas são sinais de progresso no caminho do bem. Há virtude sempre que há resistência voluntária ao arrastamento dos maus pendores. Mas a sublimidade da virtude consiste no sacrifício do interesse pessoal pelo bem do próximo, sem segundas intenções. A mais meritória é a que se baseia na mais desinteressada caridade.
O grifo é nosso e mostra que Kardec define a caridade através de três fundamentos:
1. Sacrifício do interesse pessoal
O ato caridoso implica obrigatoriamente algo de perda, de abnegação, renúncia e sacrifício. Perda material (ajuda em dinheiro ou algo semelhante) ou perda espiritual (tempo, atenção etc.).
2. Bem do próximo
Trata-se do fundamento da utilidade, segundo o princípio de que ser bom é ser útil. Apenas os atos que trazem benefício para outras pessoas, interferindo positivamente em seu bem-estar, podem ser considerados como caridade.
3. Sem segundas intenções
A caridade legítima deve se acompanhar do espírito da gratuidade. Se nossa ação, mesmo sendo benéfica para outros, é movida por algum tipo de interesse (retorno material, prestígio ou merecimento espiritual), o sentido da caridade se desfaz.
Diante do exposto, podemos estabelecer diferenças entre simplesmente fazer o bem ou ser efetivamente caridoso.
Grandes proprietários rurais eram muito “bons” para com seus empregados. Levavam-os ao médico quando enfermos, compravam-lhes o remédio ou coisas equivalentes; no entanto, os empregados viviam em regime de escravidão, trabalhando de sol a sol, sem folga semanal, férias etc. Pode-se considerar como caridade o bem que eventualmente faziam? Obviamente, não!
Um vereador que monta uma clínica de fisioterapia no bairro para atender gratuitamente os moradores faz uma coisa boa, mas pode ser considerado caridade? Não, pois seu interesse é granjear votos no próximo pleito.
Um adolescente que vai visitar idosos em uma casa de repouso obrigado pelos pais demonstra um comportamento pró-social, mas não pode ser considerado como caridade, pois é movido pelo espírito de subordinação aos pais.
Recordo-me de uma paciente antiga que me disse uma vez:
— Dr. Ricardo, rezo muito para o senhor… para que tenha uma vida longa e possa cuidar da gente!
Baseado no conceito kardequiano, retruquei prontamente:
— Mas, dona fulana, a senhora não está rezando para mim… está rezando para a senhora mesma!

Referências bibliográficas:
[1] O Livro dos Espíritos, Questão 893.
Ricardo Baesso de Oliveira
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