O mais difícil é o que conta
Fui procurado, certa feita, por um senhor muito bem vestido, que desejava um diálogo fraterno. Ele havia assistido a uma palestra minha, cujo tema fora a sexualidade, e tinha algumas dúvidas a esse respeito.

Nos encontramos e ele me colocou sua condição. Era professor da Universidade, casado, com três filhos e tarefeiro do centro espírita onde eu havia feito a palestra. Ele se considerava muito bem, na atual encarnação, do ponto de vista moral. Professor dedicado, benquisto pelos alunos, bom pai, muito amigo dos filhos e excelente espírita, estudioso e trabalhador. Só havia uma pequena questão que o intrigava: o fato de, embora casado, ter, eventualmente, umas namoradas. Ele queria saber até que ponto isso era grave do ponto de vista espiritual.
Eu então lhe perguntei:
– O senhor faz muito esforço para ser um professor competente e dedicado?
– Não, nem um pouco – respondeu ele. Leciono por amor à profissão.
Voltei a perguntar:
– O senhor faz muito esforço em ser bom pai?
– De jeito nenhum… amo de paixão meus filhos!
Retornei com uma última pergunta:
– O senhor faz muito esforço em ser um trabalhador espírita responsável?
– Também não. O Espiritismo é a luz que ilumina minha vida!
Voltei-me, então, para ele e disse:
– É uma pena…, mas o senhor não está bem não, do ponto de vista moral.
Ele, surpreso, exclamou:
– Mas como não, se sou bom em tantas coisas?
E eu:
– O senhor é bom apenas nas coisas que não exigem do senhor sacrifício, renúncia e luta íntima. Tudo aquilo que o senhor diz ser bom é feito sem esforço, ou seja, consiste em lutas passadas. O senhor já superou esses desafios. A única coisa que lhe exige o esforço de agora, o senhor não faz. Lamento, mas acho que não está indo tão bem assim.
Acredito que esse fato se identifique com uma passagem evangélica que costuma causar estranhamento: a do Moço rico.
Segundo Mateus [1], um homem que era muito rico chegou perto de Jesus e perguntou:
– Mestre, o que devo fazer de bom para conseguir a vida eterna?
Jesus respondeu, sugerindo que ele deveria seguir os mandamentos: “Não matar, não cometer adultério, não roubar, não dar falso testemunho contra ninguém, respeitar os pais etc.”.
O jovem retrucou dizendo que já fazia tudo isso. O que mais lhe faltava fazer?
Jesus, então, após perscrutá-lo mentalmente, respondeu:
– Se você quer ser perfeito, vá, venda tudo o que tem e dê o dinheiro aos pobres, e assim você terá riquezas no céu. Depois venha e me siga.
Segundo o texto, quando o moço ouviu isso, foi embora triste, pois era muito rico.

A perplexidade de quem se depara com esse relato é a dureza da proposta de Jesus. Coitadinho! Dar tudo aos pobres e ficar pobre como eles.
Na verdade, o objetivo de Jesus era mostrar-lhe onde se encontrava a sua fragilidade moral. Todas as demais virtudes ele já as havia conquistado, faltava uma: o desapego aos bens terrenos. Ali deveria se concentrar a sua luta pessoal.
Referências bibliográficas:
[1] Evangelho de Mateus, Capítulo 19, Versículos 16 a 30.
Ricardo Baesso de Oliveira
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