Autocontrole: evidências neurofisiológicas
Allan Kardec considerou o autoconhecimento e o autocontrole as ferramentas indispensáveis ao melhoramento pessoal. Segundo ele, todos os nossos esforços deveriam se concentrar em estudarmos as próprias imperfeições, a fim de nos desembaraçarmos delas.[1]

O neurocientista Robert Sapolsky acredita que o autocontrole consiste em fazer o que deve ser feito quando isso é o mais difícil.[2]
Fazer o que deve ser feito deve ser entendido em uma dimensão ética, ou seja, fazer o que é certo do ponto de vista moral, condicionando nossas atitudes aos princípios de não prejudicar ninguém, sendo útil sempre que possível. A expressão “quando isso é o mais difícil” está implícita na necessidade do controle pessoal, porque, se for fácil, dispensa o esforço da sua intercessão.
Estudos de neuroimagem mostraram que isso é possível, ou seja, fazendo uso da ferramenta da vontade, podemos evitar que emoções, tendências e inclinações venham a se concretizar. O neurocientista canadense Mario Beauregard reporta-se a dois estudos ancorados no exame de Ressonância Magnética Funcional (IRMf) que atestam, pelo estudo da fisiologia do cérebro, a validade do autocontrole.[3]
Um deles examinou o autocontrole na excitação sexual, e o outro, na emoção da tristeza. O primeiro estudo envolveu dez homens jovens expostos a breves filmes eróticos. Inicialmente, eles foram liberados para vivenciarem naturalmente as emoções. A IRMf mostrou ativação da amígdala cerebral e do hipocampo, regiões naturalmente envolvidas na excitabilidade sexual. Em outro momento, assistiram a filmes equivalentes após a solicitação dos experimentadores de que tentassem controlar as próprias sensações. Nessa oportunidade, a IRMf mostrou significativa ativação do córtex pré-frontal, uma região do cérebro localizada na parte frontal do lobo frontal, que desempenha um papel fundamental em diversas funções cognitivas superiores, como o planejamento, a tomada de decisões, o controle de impulsos e a regulação emocional, dentre outras.
O outro estudo, feito com cerca de vinte moças jovens, relacionava-se ao controle da emoção da tristeza ao assistirem a filmes relacionados à perda de entes queridos. Os resultados foram muito semelhantes. Quando solicitadas a evitarem envolver-se emocionalmente com os filmes, ativaram as mesmas áreas do cérebro relacionadas ao autocontrole.
Kardec demonstrou lucidez e sabedoria ao apresentar a vontade como força motriz do melhoramento humano.
Kardec valeu-se do vocábulo “vontade” cento e quinze vezes em O Evangelho Segundo o Espiritismo e cento e trinta e seis vezes em O Livro dos Espíritos, e admitiu ser a vontade o mais eficaz instrumento no combate às más inclinações [4]. Colocou, também, que devemos resistir com toda a nossa energia aos arrastamentos que podem enfraquecer a vontade [5].
Mas o que significa vontade para Kardec? Kardec definiu vontade em um discurso pronunciado na Sociedade Espírita de Paris e reproduzido na Revista Espírita de dezembro de 1864 [4]:
“O pensamento é o atributo característico do ser espiritual; é ele que distingue o espírito da matéria; sem o pensamento, o espírito não seria espírito. A vontade é o pensamento chegado a certo grau de energia; é o pensamento transformado em força motriz. É pela vontade que o espírito imprime aos membros e ao corpo movimentos num determinado sentido. Mas, se tem a força de agir sobre os órgãos materiais, quanto maior não deve ser essa força sobre os elementos fluídicos que nos rodeiam!”
Da conceituação de Kardec, extraímos alguns conceitos:
- A vontade deve ser considerada o resultado de um pensamento que se move no sentido de uma realização, da concretização de algo que existiu inicialmente apenas no campo mental.
- A vontade se expressa quando faz acontecer: força motriz, ou seja, uma energia que move, que age, que gera alguma coisa, que tem consequências.
- Devemos diferenciá-la do desejo, porque o desejo é um querer adiado, postergado, que ainda não se deu, enquanto a vontade é um querer materializado, acontecido, finalizado.

Exemplificando com dois casos: O fumante que deseja parar de fumar, mas ainda não o fez. Está na dimensão do desejo, programado apenas, mas não concretizado. O indivíduo acima do peso que, fazendo uso da vontade, perdeu dez quilos. Trata-se de vontade, porque fez acontecer.
Um grande desafio para todos nós, espíritas: deixarmos a dimensão do desejo (querer adiado) e mergulharmos na dimensão da vontade (querer concretizado). Agindo assim, estaremos dando passos seguros rumo ao real desenvolvimento espiritual.
Referências bibliográficas:
[1] O Livro dos Espíritos, Item 14.
[2] Determinados, R. Sapolsky.
[3] O cérebro espiritual, Mario Beauregard.
[4] O Livro dos Espíritos, Item 909.
[5] O Evangelho Segundo o Espiritismo, Capítulo V, Item 25.
Ricardo Baesso de Oliveira
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