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O mais importante

O filósofo André Comte-Sponville havia terminado uma conferência em uma pequena cidade do interior da França. O tema: Espiritualidade sem Deus. Sua ideia central é esta: podemos ser bons, justos e nobres, mesmo sem acreditarmos em Deus ou na existência da alma.

Ao final, aproximou-se para saudá-lo um senhor bem idoso. Apresentou-se como padre católico e disse que gostou muito de sua conferência, e que concordava com tudo.

Sponville estranhou:

— Mas, padre, ao dizer que está de acordo com tudo o que eu disse, o senhor me surpreende um pouco… Quando falo da existência de Deus ou da imortalidade da alma, em que não creio, o senhor não pode estar de acordo comigo!

O velho padre sorriu docemente e replicou:

— Tudo isso tem tão pouca importância!

Esse episódio me recorda de um primo, já desencarnado, que, às voltas com o marxismo, me colocou a seguinte questão:

— Posso ser espírita sem acreditar em Deus?

Na verdade, ele admirava a doutrina espírita pelo espírito de solidariedade, que fortemente caracterizou o movimento espírita, particularmente a preocupação com as pessoas em situação de vulnerabilidade social. Mas ele não conseguia aceitar os princípios da doutrina, pois era ateu e materialista.

A respeito, conta-se que Chico Xavier foi procurado por um cidadão, que lhe disse:

— O meu problema, Chico, é que eu não acredito em Deus.

E ele, pacientemente:

— Mas isso não é problema, meu filho. Problema seria se Deus não acreditasse em você.

Refletimos a respeito do tema a partir de um item de O Livro dos Espíritos.

Kardec perguntou:

— É necessário fazer profissão de fé no Espiritismo e crer nas manifestações para assegurar nossa sorte na vida futura?

Vejam a resposta:

— Se assim fosse, todos os que não creem ou que não puderam esclarecer-se seriam deserdados, o que é absurdo. É o bem que assegura a sorte no futuro; ora, o bem é sempre o bem, qualquer que seja a via que a ele conduz.

Não me recordo do que disse ao primo desencarnado, mas, hoje, lhe diria o seguinte: crer ou não crer em Deus não muda nada de essencial. Quer você tenha ou não uma religião, isso não o dispensa de respeitar o outro, sua vida, sua liberdade, sua dignidade; isso não anula a superioridade do amor sobre o ódio, da generosidade sobre o egoísmo, da justiça sobre a injustiça.

Há uma vida depois da morte? Eu penso que sim. Os ateus pensam que não. Mas há uma vida antes da morte, e isso muito nos aproxima.

Afinal, um ateu pode ser virtuoso, tanto quanto um crente pode não o ser.

Ricardo Baesso de Oliveira

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