Sem segundas intenções
Aproximava-se o momento da palestra e eu encontrava-me perdido. Era um bairro desconhecido para mim; nunca tinha estado naquele centro espírita. Passando diante de um ponto de ônibus, identifiquei um moço parado. Aproximei-me dele e indaguei quando ao endereço do centro.
Muito gentilmente, explicou-me que era logo à direita, subindo o morro. Agradeci e fui lentamente na direção indicada, quando percebi que ele seguia meu carro. Estacionei diante do centro, e, ao sair, deparei-me, com ele:
– O senhor teria 10 reais para me dar?
Comecei a palestra falando do espírito de gratuidade. Como esse espírito falta em muitos de nós, que nos mantemos cristalizados no impulso da esperteza, da má índole e da exploração alheia, muitas vezes, nos valendo de um hipotético (mas falso) comportamento altruístico que, em verdade, só tem a ver com o nosso próprio interesse.
Allan Kardec considerava as ações no bem como fazendo parte de um grande espectro. Em uma ponta do espectro, Kardec colocou a “simples esmola” e do outro a “caridade com os inimigos”. Toda ação no bem pode ser colocada em um ponto do espectro. As ações mais próximas da ponta “simples esmola” têm menor merecimento, pois implicam menor esforço pessoal. As ações no bem que se aproximam da ponta “caridade com os inimigos”, possuem maior valor, pois exigem uma cota maior de esforço, renúncia e sacrifício de quem a pratica.
Assim, de uma forma didática, propomos uma escala de variantes relacionadas ao comportamento de ajuda, que parte de uma condição primária onde ele é movido por um sentimento egoísta até o ápice da escala em que se manifesta pelo amor, mais bela conquista das almas nobres.
Primeira variante: o comportamento de ajuda é interesseiro porque visa ao bem próprio: ajudar para receber de volta depois, ser considerada uma pessoa especial ou levar algum tipo de vantagem material. Ou ainda haurir vantagens espirituais: a conquista do reino dos céus, uma acolhida feliz no pós-morte, um carma positivo para o futuro, ou livrar-se de um sentimento de culpa e desembaraçar-nos de quantos se nos apresentam em penúria, cujas condições nos alfinetam a consciência.
Segunda variante: o comportamento altruístico é movido pela compaixão. Sentir piedade do que sofre e colocar-se no lugar dele; movido por esse sentimento nobre, socorrê-lo. Trata-se de um belo sentimento, mas, não traduz ainda a sublimidade da virtude, pois está a reboque da infelicidade alheia, ou seja, ele se manifesta diante do sofrimento de outro e não naturalmente por todos os seres, independentemente de sua condição de cuidado presente.
Terceira variante: agir solidariamente por dever. Difere do sentimento de compaixão, pois não existe apenas quando se é tocado pelo sofrimento do outro. O comportamento de ajuda se dá pela consciência do dever, porque se acredita que é o certo a ser feito.
Aquele que age pelo dever demonstra boa vontade, amadurecimento e desejo sincero de se tornar uma pessoa melhor, mas, ainda assim, tem o que avançar espiritualmente para se identificar com a mais sublime forma de comportamento de ajuda: o serviço espontâneo do amor.
Quarta variante: servir por amor.
Alternamos em nossos atos diários reações dos diferentes níveis, mas, conscientes dos esforços que devemos empreender na construção de uma personalidade mais bela, nobre e justa, quanto mais o bem estiver identificado em nós, sem segundas intenções, mais próximos estaremos da verdadeira virtude.
Ricardo Baesso de Oliveira
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