Pena que vale a pena
Senhor Orlando tinha pouco mais de setenta anos, quando foi detido por uma grave infração de trânsito. O juiz determinou-lhe, como penalidade, sessenta horas de trabalho voluntário. A instituição que o acolheu foi o Instituto de Difusão Espírita de Juiz de fora – IDE-JF. Ele deveria cumprir esse tempo no projeto social da instituição, o projeto Ser feliz.
No IDE-JF, Orlando foi lotado na cozinha, participando do grupo responsável pelo lanche das manhãs de domingo.
Logo nos primeiros domingos, ele surpreendeu-se com a forma acolhedora com que foi recebido: sorrisos, abraços, congratulações, votos de saúde e tudo o mais. Por isso ele não esperava, afinal, ali estava porque cometera um crime; havia uma culpa a ser expiada pelo serviço comunitário. No entanto, nunca foi visto dessa forma. Para os tarefeiros do IDE-JF ele era um amigo querido, muito bem-vindo.
Todos os domingos era visto por lá, carregando as imensas panelas, onde eram preparados o macarrão, o molho do cachorro-quente, ou a sopa saborosa. Todos tratavam-lhe pelo nome. Não faziam diferença alguma entre ele e os demais tarefeiros da casa.
Findo os sessenta dias, quando as diretoras do trabalho lhe deram o documento dizendo que estava livre, ele, de forma surpreendente, indagou:
– Posso continuar?
A felicidade foi geral: Orlando continuaria na casa, como voluntário do projeto Ser feliz. E lá ficou por muitos anos, afastando-se apenas alguns meses antes da pandemia da covid 19.
Ele faleceu recentemente aos 91 anos e recebeu a justa homenagem da casa, com uma matéria de reconhecimento, publicada no jornal do IDE-JF: O ideal.
O caso nos remete a O Livro dos Espíritos onde se lê que a justiça não exclui a bondade, pois jamais devemos tratar com desprezo o nosso semelhante, independentemente de qualquer coisa. Se agirmos em relação ao criminoso de forma equivalente àquela em que ele tem agido em relação à sociedade, nós nos igualamos a ele e perdemos a autoridade para corrigi-lo. Lembra Kardec que autoridade legítima é a que se apoia no exemplo que dá do bem.
Assim, a tortura, a desconsideração, a humilhação e os maus tratos apenas agravam o rancor que muitos nutrem em relação à sociedade e em nada contribuem em seu melhoramento moral. Além de ser uma atitude covarde e incompatível com os princípios cristãos.
Escreveu Kardec: não há culpados que se não possam regenerar por meio da persuasão e do exemplo […]. Os Espíritos, por mais perversos, acabam por corrigir-se com o tempo. O fato de muitas vezes ser impossível regenerá-los prontamente, não importa na inutilidade de tais esforços. Mesmo a contragosto, as ideias sugeridas a tais Espíritos fazem-nos refletir. São como sementes que, cedo ou tarde, tivessem de frutificar.
Ricardo Baesso de Oliveira
Página 5