Ainda o estudo espírita
Dissemos que o Espiritismo é toda uma ciência, toda uma filosofia. Quem, pois, seriamente queira conhecê-lo deve, como primeira condição, dispor-se a um estudo sério (…) — Allan Kardec [1]

Imaginemos uma estrada que liga duas cidades. Quais são as condições para alguém dizer que “conhece a estrada”? Certamente não basta ter passado por ela uma ou duas vezes. É preciso tê-la percorrido diversas vezes e em ambos os sentidos. Também é necessário tê-la atravessado em condições diferentes: com sol, chuva ou neblina. Deveria ter percorrido a estrada como motorista de carro, como carona, como passageiro de ônibus, de motocicleta ou de caminhão, pois são condições e perspectivas muito distintas. Deveria conhecer os trechos mais perigosos e as partes mais tranquilas. Ou seja, “conhecer a estrada” não é algo simples.
Numa analogia bastante direta, podemos dizer que “conhecer o Espiritismo” apresenta desafios semelhantes aos de conhecer uma estrada. Tomemos, como exemplo, O Livro dos Espíritos. Quantas leituras seriam necessárias para realmente “conhecê-lo”? Naturalmente, não se trata de decorar capítulos, questões e respostas. É preciso compreender a “filosofia” sobre a qual as perguntas, as respostas e os comentários estão estruturados. É preciso avaliar as consequências do conhecimento que é apresentado. É necessário abordar o texto sob diversas perspectivas e em diferentes condições, como ocorre no caso da estrada.
E este é um grande problema: a estrutura da nossa personalidade e a nossa visão de mundo acabam, em muitos casos, restringindo aquilo que conseguimos perceber no texto. Mesmo quando realizamos várias leituras, em épocas diferentes, a tendência é que nossa interpretação permaneça bastante semelhante. Não conseguimos “escapar” de nós mesmos. Se eu apenas dirijo carro e nunca motocicleta ou caminhão, minha visão da estrada será inevitavelmente limitada.
Se quero compreender a doutrina espírita conforme apresentada por Allan Kardec, preciso estudar Kardec. Mas também preciso estudar outros autores — encarnados e desencarnados — que igualmente estudaram Kardec. Cada um deles pode me oferecer uma perspectiva que eu não teria condições de desenvolver sozinho. Além disso (o que soa estranho para muitas pessoas), periodicamente é necessário entrar em contato com autores que sustentam pontos de vista diferentes dos meus. Ler apenas textos que confirmam aquilo que já penso não alimenta o processo de estudo. É como percorrer a estrada apenas trocando um carro por outro.
Além disso, lembremos que as estradas se interligam a outras estradas. O Espiritismo está profundamente conectado a diversas áreas do conhecimento humano. Compreender a relação das ideias espíritas fundamentais — como a imortalidade, a mediunidade e a reencarnação — com os diferentes campos científicos, religiosos e filosóficos também é uma necessidade. Isso, por si só, amplia aquilo que chamamos de “estudo espírita”.
Pela mesma razão, o estudo em grupo é essencial para o estudante espírita. Ouvir ideias diferentes, por vezes discordantes, estimula — ou deveria estimular — o raciocínio, a revisão de conceitos, o fortalecimento de opiniões e o autoquestionamento. Um grupo de estudo cumpre sua função quando todos (ou pelo menos a maioria) opinam, perguntam e discordam. Idealmente, em um grupo de estudo espírita, ninguém deveria ensinar; todos deveriam aprender.
Aprender, para quê? Uma estrada leva de um ponto a outro. Em geral, quem está na estrada tem um destino. Qual é a finalidade de conhecer o Espiritismo? Muitos estudantes nunca se fizeram essa pergunta. Estão na estrada sem saber para onde vão: estão apenas admirando a paisagem. Participam de grupos, leem as obras, mas acreditam que conhecer o Espiritismo seja um fim em si mesmo. Distraídos uns, envaidecidos outros, esquecemos que o objetivo do conhecimento é a melhoria do comportamento moral — isto é, das nossas ações em relação às outras pessoas. Sem essa melhoria, o conhecimento perde sua finalidade e pode até se transformar em um fator de limitação.

Enfim, estar disposto a um estudo sério é parte essencial do “ser espírita”. É necessário manter a mente de aprendiz, o espírito aberto a ideias e conceitos novos e a atenção constante em aplicar, no dia a dia, aquilo que está sendo aprendido.
Referências bibliográficas:
[1] O Livro dos Médiuns, Allan Kardec, Capítulo 3, Item 18.
Ely Edison Matos
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