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Ainda o perispírito

Uma das maiores contribuições do Espiritismo para o pensamento espiritualista é, sem dúvida, a sistematização dos estudos sobre o perispírito. A partir da ideia cartesiana da dualidade espírito/matéria, uma das grandes questões levantadas foi: como pode o espírito, algo imaterial, agir sobre a matéria, algo material? Concebidos como dois elementos ontologicamente diferentes, a união dos dois sempre foi um ponto criticado pela visão materialista.

Naturalmente, a existência de um corpo espiritual, um elemento intermediário entre espírito e matéria, não é uma criação espírita. Seguindo uma terminologia e uma nomenclatura variadas (como também possuindo interpretações variadas), a ideia de um corpo espiritual aparece em diversas culturas ao longo da História. O que o Espiritismo nos proporciona é uma abordagem menos mística acerca deste elemento.

Considerado por Allan Kardec o princípio de todas as manifestações espirituais [1], o perispírito (ou “corpo espiritual”, “psicossoma”, “corpo astral”, “envoltório fluídico” – como também é denominado na literatura espírita) é uma estrutura intermediária entre espírito e matéria [2], com a função primordial de permitir a ação espiritual no mundo físico, ao mesmo tempo possibilitando que o espírito “perceba” o ambiente material ao seu redor. Embora o conceito básico seja de fácil compreensão, um entendimento mais completo da questão certamente não é simples.

Como exemplo da complexidade, vemos que não há um consenso entre os estudiosos espíritas sobre a “natureza” do perispírito. A ideia popular de um elemento “semimaterial” esbarra em conceitos científicos sobre a natureza da matéria/energia. De maneira simplificada, identificamos duas abordagens para esta questão:

  1. Uma considera a existência de “níveis diferentes de matéria”. A matéria teria diferentes expressões, associadas com a nossa capacidade de percebê-la. Assim, poderíamos falar em “matéria grosseira” e “matéria quintessenciada” [3], usando expressões apresentadas por Kardec. O perispírito estaria num nível diferente de matéria, embora a estrutura material seja a mesma para o universo todo. Neste mesmo contexto, a literatura espírita fala de “fluidos” como uma espécie de matéria, diferente da “matéria grosseira”. Mesmo a ideia de “energia” estaria relacionada a uma expressão da matéria. O avanço na Física, em especial na Física chamada genericamente de “quântica”, tem mostrado que em um “nível” diferente de matéria, os fenômenos podem ser bem diferentes dos fenômenos na escala macroscópica. Então, não é absurdo imaginar que a estrutura perispiritual poderia estar associada a outros níveis “quânticos”.
  2. Outra abordagem considera a questão de “diferentes dimensões”, embora não tenhamos recursos para avaliar estas outras dimensões. Algumas teorias falam em 4, 5, 9, 11 dimensões. Outras teorias falam em infinitas dimensões. Usando esta abordagem, poderíamos considerar que o chamado “mundo espiritual” seria composto de várias dimensões e que, de alguma forma, as nossas 3 dimensões “físicas” ou “materiais” são apenas uma parte do mundo espiritual. Ou seja, nós seríamos seres que se expressam em muitas dimensões distintas. Por exemplo, ao sair do corpo, nós teríamos a percepção de outras dimensões, sem perder (geralmente) a percepção das nossas 3 dimensões. O que nos falta são “sentidos” para perceber as dimensões superiores, mas, por exemplo, o perispírito teria alguns destes sentidos.

É possível considerar também que as duas abordagens coexistem, ou seja, os diferentes níveis de matéria podem se expressar em diferentes dimensões. Como vemos, não é tão simples. Dependendo da abordagem adotada, as explicações para os diversos fenômenos que envolvem a constituição, a forma e as funções do perispírito são diferentes.

Como dissemos, todas estas reflexões são possíveis hoje graças aos estudos espíritas de autores encarnados e desencarnados. Podemos atualmente discutir sobre os elementos que entram na constituição do perispírito [4], sua plasticidade associada à vontade do Espírito [5], suas funções nos vários fenômenos mediúnicos e nos processos reencarnatórios [6], entre muitos outros tópicos. Nossa ignorância sobre o tema ainda se sobrepõe em muito ao nosso conhecimento, mas certamente estamos avançando para descobrir um pouco mais sobre “o que somos”.

[1] O livro dos médiuns. Allan Kardec. Item 109.
[2] O livro dos Espíritos. Allan Kardec. Questão 93.
[3] O livro dos Espíritos. Allan Kardec. Questão 82.
[4] A gênese. Allan Kardec. Cap. 14. Item 10.
[5] O livro dos médiuns. Allan Kardec. Parte 2. Cap. 6.
[6] Missionários da luz. André Luiz/Francisco Cândido Xavier. Cap. 13.

Ely Edison Matos

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