O problema da dor
O problema da dor é apresentado objetivamente por Leon Denis [1]: “Tudo o que vive neste mundo sofre: a natureza, os animais e o homem. E, entretanto, o amor é a lei do universo, e é pelo amor que Deus formou os seres. Contradição aparentemente horrível, problema angustiante, que perturbou tantos pensadores e os levou à dúvida e ao pessimismo.” Afinal, por que sofremos? Sem querer fornecer uma resposta completa para tal questão, apresentamos rapidamente neste texto alguns pontos que possam nos ajudar na reflexão.
Didaticamente, podemos classificar a dor em 3 dimensões: a natureza, a expressão e a origem. Quanto à natureza, podemos identificar três tipos de dores: (i) física: a dor física é decorrente da ação do sistema nervoso e tem muitas funções, sendo talvez a principal nos alertar que algo está ameaçando a integridade do nosso corpo físico ou da nossa saúde; (ii) emocional: as dores emocionais são também associadas ao sistema nervoso, mas possuem um caráter mais abstrato e elaborado; (iii) moral: as dores morais surgem quando temos atitudes, comportamentos, pensamentos que “quebram” nosso código moral interno, ou seja, as regras que estabelecemos para nós mesmos sobre o que é certo e errado.
Quanto à expressão, conforme a proposta espírita, podemos identificar também três aspectos: (i) expiação: sofrimentos associados às nossas ações passadas, nesta ou em outra reencarnação [2]; (ii) prova: situações difíceis, desafiantes, associadas às vicissitudes da vida, sejam relacionadas à vida íntima ou às relações sociais; (iii) evolução: a dor-evolução [3] está associada aos processos naturais, pelo qual todo Espírito todo espírito passa durante o desenvolvimento anímico.
Finalmente, quanto à origem da dor, podemos identificar duas causas: (i) endógena: são as dores decorrentes do exercício da vontade individual (vícios, imprevidência, crimes, etc.) geralmente associada à chamada “lei de causa e efeito”; (ii) exógena: dores associadas ao ambiente onde vivemos, seja o ambiente físico, social ou cultural (questões climáticas ou geográficas, violência urbana, preconceitos, etc.)
O objetivo desta classificação é mostrar a complexidade do tema e nos alertar sobre simplificações exageradas que muitas vezes são feitas, mesmo em estudos espíritas. Para muitas pessoas, as dores são decorrentes apenas de atos passados, configurando um “carma” na vida presente. Como estamos vendo, não é tão simples assim.
Podemos dizer que o estudo da dor se enquadra na área da “causalidade complexa”. Enquanto a causalidade linear (ou simples) tenta associar uma causa básica ou inicial a um dado efeito, a causalidade complexa diz que nem todo efeito está contido na causa anterior. Isto porque a própria ocorrência do efeito gera novas causas/efeitos, que interagem com o efeito original. Aplicado ao problema do dor, isto significa que, mesmo que haja uma causa passada para o sofrimento atual, diversos fatores atuais vão afetar esse sofrimento (a maneira como a pessoa encara o sofrimento, o ambiente social/familiar onde ela está, os recursos que ela possui, as características da personalidade atual etc.).
Por isso, ainda de forma didática, podemos imaginar três abordagens para o problema da dor: (i) a dor como processo punitivo: a dor é apresentada como punição por faltas passadas em vários textos da codificação e de obras subsidiárias, como por exemplo [4]; (ii) a dor como processo educativo: nesta abordagem, o objetivo da dor seria levar o Espírito a melhorar sua condição moral, corrigindo suas imperfeições morais, através da reflexão sobre as causas da dor [5]; (iii) a dor como processo natural: a dor é decorrência natural do processo de viver, e vai se apresentar de várias formas ao longo da evolução espiritual.
Estas abordagens não são excludentes: é possível considerar que, em uma dada situação específica, esteja ocorrendo uma ou mais situações. No entanto, como estudantes espíritas, vale sempre refletir, por exemplo: de que forma uma punição pode ajudar o crescimento espiritual? Como é possível aprender algo (um processo que requer atenção, reflexão, conscientização, repetição) quando estamos imersos no sofrimento físico, emocional ou moral? Por que a dor seria natural? A bondade divina não poderia imaginar outro meio para nossa evolução?
Como vemos, o problema da dor continua sendo um grande problema, sobre o qual ainda temos mais questões do que esclarecimentos.
[1] O Problema do Ser, do Destino e da Dor. Leon Denis. Cap. 26.
[2] O Evangelho Segundo o Espiritismo. Allan Kardec. Cap. 5.
[3] Ação e Reação. André Luiz/Francisco Cândido Xavier. Cap. 19.
[4] O Livro dos Espíritos. Allan Kardec. Questão 399. Comentário.
[5] O Céu e o Inferno. Allan Kardec. Cap. 7. “Código penal da vida futura”. Item 7.
Ely Edison Matos
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