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Traço de união

O paradigma dualista promove o antagonismo entre Ciência e Religião, entre fé e razão, entre espírito e matéria, entre indivíduo e sociedade, entre o “eu” e o “outro”. Este paradigma está sendo gradativamente superado. Embora Allan Kardec proponha o conhecimento espírita como o traço de união entre Ciência e Religião [1], o Espiritismo, quando bem compreendido, possibilita superar a dualidade presente em muitas outras questões.

Não queremos dizer com isto que a dualidade se tornará unidade. A diversidade presente em todos os aspectos da natureza, a multiplicidade de pontos de vista e de conhecimentos, a variedade característica das expressões humanas, tudo isso é importante e necessário em nosso processo evolutivo. O que será derrubado é o muro que foi criado entre estes conceitos. A ideia de separação e oposição que gera divergências excita o orgulho e cria disputas que nunca são resolvidas.

O Espiritismo mostra que o ser humano é essencialmente Espírito; estuda a sua origem, a sua natureza e o seu destino [2]; revela a existência e a realidade de um mundo espiritual; promove o intercâmbio entre os Espíritos desencarnados e os encarnados. Sobretudo, mostra a continuidade do processo que chamamos “vida” que, começando de uma forma simples, progride incessantemente.

O estudo espírita ensina que Espírito e matéria estão em constante inter-relação. Cada um exerce sua influência sobre o outro, influência essa que se modifica ao longo do progresso espiritual. Fé e razão são duas ferramentas usadas pelo Espírito para compreender a si mesmo e a realidade que o cerca. Como toda ferramenta, o Espírito usa a fé ou a razão conforme o problema apresentado ou o trabalho a ser realizado. Indivíduo e sociedade são indissociáveis, pois a individualidade espiritual só tem sentido quando realizada junto a outros Espíritos. Da mesma forma, o “eu” só existe quando existe o “outro”. A solidariedade que une todos os Espíritos faz com que cada pensamento, cada palavra ou cada ação individual repercuta no todo, gerando as consequências correspondentes.

Apesar disso tudo, o véu da dualidade ainda é muito espesso, e encobre a união que o Espiritismo propõe. O otimismo de Kardec o levou a escrever que Ciência e Religião “marcharão combinadas e se prestarão mútuo concurso”. Infelizmente ainda não vimos isto acontecer, justamente pelo predomínio de uma visão dualista tanto nos meios científicos quanto religiosos. O Espiritismo, constituído de uma filosofia espiritualista com base experimental, reconhece que o Espírito é um ser moral, usando um corpo material e vivendo em sociedade. As questões morais associam o Espiritismo à Religião, as questões materiais e sociais o associam à Ciência. Assim, ele realiza seu papel de traço de união.

Por isso, é necessário que o estudante espírita realize uma revolução na sua maneira de ver o mundo, as pessoas e as ideias. O apego demasiado a um aspecto exclusivista, seja no campo científico, religioso, ideológico, filosófico, etc. demonstra uma compreensão parcial e limitada da realidade espiritual. Se é importante que cada um tenha seu ponto de vista, igualmente importante é que aprendamos a criar pontes que unam e não barreiras que separem.

[1] O Evangelho segundo o Espiritismo. Allan Kardec. Capítulo 1, item 8.
[2] O que é o Espiritismo. Allan Kardec. Preâmbulo.

Ely Edison Matos

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