CARE 65

Os riscos de “ser bom”

E ele disse-lhe: Por que me chamas bom? Não há bom senão um só, que é Deus.  (Mt 19:17)

A ideia espírita de desenvolvimento espiritual está ligada diretamente à ideia do progresso intelecto-moral. A fim de sistematizar didaticamente esta noção de progresso, Allan Kardec vai propor uma “escala espírita”. Esta escala permite avaliar o grau de desenvolvimento alcançado pelo Espírito, a partir de determinadas características. No grau intermediário desta escala (na chamada “segunda ordem”), encontramos os Bons Espíritos [1].

“Ser bom”, então, é uma característica de crescimento espiritual. Espíritos superiores à média daqueles que se encontram na Terra desejam o bem e agem com bondade. Portanto, é natural que sejamos incentivados a desenvolver essa virtude em nós.

Certamente muitos de nós já começamos a falar do bem, a desejar o bem, a exercitar o bem. Porém, considerando as nossas imperfeições, esta fase de transição apresenta alguns riscos ou armadilhas, às quais devemos estar atentos. Neste texto, destacamos três riscos: a ilusão, a vaidade e a suficiência.

A ilusão é o risco mais óbvio e comum. Julgamos que já somos bons, quando realmente ainda não somos. Essa ilusão é caracterizada pelo fato de que temos boas intenções e desejamos o bem, mas na realidade não o praticamos. O bem não se torna atitude e não se materializa em ações efetivas. Se é verdade que a intenção já é um grande passo, precisamos reconhecer que ele ainda é incompleto. As questões morais só se realizam na relação com o próximo. Seja quando o bem é apresentado no aspecto da caridade (benevolência, indulgência, perdão) [2] ou quando é apresentado como utilidade (fazer o bem é ser útil na medida do possível) [3], o foco é na ação e não na intenção.

O segundo risco é a vaidade. Essa surge quando o bem realmente começa a ser praticado. Ele deixa de ser uma ilusão e se torna uma realidade. A pessoa começa efetivamente a exercitar o bem em relação ao próximo, seja no nível material, intelectual ou moral. E então, ela passa a ser reconhecida pelas suas ações (já que o bem verdadeiro ainda é artigo raro na Terra). Começa a ser elogiada, destacada, observada, valorizada. Isso não deveria ser um problema, pois o bem realmente precisa ser destacado para servir como exemplo. O risco surge quando a pessoa passa a se sentir mais importante do que o bem que ela está fazendo. Passa a se preocupar demasiadamente com o que vai dizer, com o que vai vestir, com que companhias quer ser vista, com quantos a estão “seguindo” nas redes sociais. Muitas vezes, o exercício do bem, que era natural e espontâneo, passa a ser calculado e medido, visando aumentar o impacto.

O risco mais sutil, no entanto, é a “suficiência”. Este risco surge quando já estamos experimentando o exercício do bem: cumprimos nossas obrigações na família e na sociedade, respeitamos as leis e o próximo, ajudamos nesta ou naquela atividade assistencial ou caritativa. E começamos a pensar que estamos fazendo o “máximo” ou o “suficiente”. Esquecemos de observar os pontos em que ainda somos frágeis, como, por exemplo, o perdão ou a indulgência. Minimizamos nossas imperfeições com a justificativa de que fazemos o bem, em contrapartida. Ou que “tem gente muito pior”. Ou que “não posso ser santo”. Ou que “tudo tem limite”. E acabamos por limitar nossas possibilidades de avanço, muitas vezes fazendo um bem que já era natural em nós, por ter sido conquistado nas experiências passadas. Ou seja, acabamos não avançando em termos de progresso real. Este é um risco perigoso, justamente porque é pouco discutido.

Enfim, mais uma vez, fica clara a necessidade permanente de vigilância sobre nosso processo evolutivo, a fim de que não sejamos enganados por nós mesmos.

[1] O livro dos Espíritos. Allan Kardec. Questão 107.
[1] O livro dos Espíritos. Allan Kardec. Questão 886.
[3] O livro dos Espíritos. Allan Kardec. Questão 643.

Ely Edison Matos

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