CARE 63

O que dizem os homens

“’Quem os homens dizem que eu sou?’”
(Marcos 8:27)

Após 20 séculos, a pergunta feita por Jesus continua atual. E mesmo após 20 séculos, as respostas dadas pelos homens continuam confusas. Misturam-se, a respeito da natureza de Jesus, a ignorância, a fé, a tradição, a escassez de dados históricos, a imaginação, as revelações espirituais e as deduções racionais de milhares, senão milhões, de pessoas.

Ao apresentar a moral ensinada por Jesus como sendo a própria moral proposta pelo Espiritismo (1) e ao desenvolver este ensino moral à luz da revelação dos Espíritos (2), Allan Kardec traz o espinhoso tema para a discussão espírita. Assim, a pergunta a ser feita é “quem é Jesus, para o Espiritismo?”.

Sem a pretensão de obter uma resposta definitiva, pois o tema é amplo e controverso (conforme discutimos em nosso livro “Jesus segundo o Espiritismo” (3)), podemos no entanto, de forma breve, apresentar alguns lembretes sobre o que Jesus “não é” e sobre o que ele “é”.

Para o Espiritismo, Jesus não é um ser mitológico. Ou seja, Jesus é uma personalidade histórica, que nasceu, viveu e morreu como todos os homens. Ainda que os dados históricos sejam muito raros, o Espiritismo se apoia nos relatos espirituais, inclusive de espíritos que o teriam conhecido pessoalmente enquanto encarnados. A maioria destes relatos tendem a se enquadrar nas descrições evangélicas – quando sabemos que os evangelhos nem sempre seguem uma cronologia ou apresentam descrições factuais – mas, ainda assim, eles fundamentam a ideia de Jesus como um ser humano.

Jesus não é Deus (ou um deus). Para o Espiritismo, Jesus é um espírito, cuja evolução o coloca no topo da Escala Espírita (4). Como espírito, Jesus foi criado e segue as mesmas leis que todos os espíritos, assim como você e eu. É neste sentido que chamamos Jesus de “irmão”. Um irmão mais velho, mais sábio, mais experiente, que ao longo de milênios incontáveis tem se dedicado à nossa educação espiritual.

Apesar desse espírito ter encarnado e vivido sob a personalidade humana que conhecemos como Jesus, certamente ele não foi um homem comum. Como espírito superior, com amplo domínio sobre a matéria, ele foi capaz de realizar inúmeros fenômenos que chamamos de “efeitos físicos”. Porém, mais importante que isso, seu amor, suas palavras e sua vibração foram (e são) capazes de realizar o que poderíamos chamar, por analogia, de “efeitos morais”. Dificilmente alguém permanecia o mesmo, após conversar com Jesus.

Jesus não é um fundador de religião. Jesus viveu como os judeus de seu tempo. Seguia as leis judaicas (embora questionasse algumas, como sabemos), falava nas sinagogas, participava das festas tradicionais. O que conhecemos como “religião cristã” (lembrando que “Cristo” é um título, não um nome), surgiu de forma gradativa muitos anos após Jesus, e só se estabeleceu com o passar dos séculos. Embora o conceito seja estranho para alguns, Jesus não “fundou” o cristianismo.

Há mais coisas que Jesus “não é”. Mas, passando para o que Jesus “é”, na visão espírita, talvez a definição mais conhecida – e talvez pouco compreendida – seja dada a partir da questão 625 de “O Livro dos Espíritos”: Jesus é o modelo de perfeição moral, guia para toda a humanidade.

Se entendemos a ideia de “moral” como a maneira de nos relacionarmos com o próximo, um “modelo de perfeição moral” indica as diretrizes que devemos seguir nas nossas atitudes e palavras dirigidas aos outros. A ação positiva em benefício de todos, o respeito pelas limitações alheias, o perdão quando formos ofendidos, o compartilhamento dos recursos que possuímos, a palavra consoladora e esclarecedora, são alguns exemplos que extraímos facilmente dos evangelhos.

Por outro lado, o que é um “guia”? Aquele que sabe mais sobre um tema e que é capaz de nos revelar informações novas, ou aquele que conhece e caminha à frente, indicando o que deve ser feito para evitarmos perigos e prejuízos. Neste sentido, Jesus é um guia para a nossa evolução espiritual. Já tendo percorrido a trilha por onde hoje nós andamos, ele é capaz de orientar e sugerir, ensinar e incentivar.

Dada a distância evolutiva entre Jesus e nós, nem tudo que ele ensinou e viveu foi compreendido perfeitamente. Muitas distorções surgiram devido à nossa ignorância. Assim, os homens continuam dizendo coisas estranhas e contraditórias sobre ele. Apoiados, no entanto, pelo estudo espírita de fatos naturais, como a reencarnação, a mediunidade e a imortalidade, estamos hoje um pouco melhor equipados para compreender Jesus e sua mensagem.

  1. O Livro dos Espíritos – Conclusão – item VIII / Allan Kardec.
  2. O Evangelho segundo o Espiritismo – Introdução / Allan Kardec.
  3. Jesus segundo o Espiritismo / Daniel Salomão, Ely Matos, Fábio Fortes, Ricardo Baesso de Oliveira.
  4. O Livro dos Espíritos – questão 100 / Allan Kardec.

Ely Edison Matos

Página 4