CARE 61

Vai para casa

“Vai para tua casa, para juntos dos teus (…).” (Marcos 5:19)

A cura do possesso de Gérasa (segundo Marcos), ou Gedara (segundo Mateus), é uma das passagens mais significativas dos evangelhos. Um homem assediado por Espíritos, morando nos túmulos, que já fora preso com correntes e que feria a si mesmo com pedras, é libertado psiquicamente pela ação de Jesus. Quando as pessoas vêm ver o que se passara, encontram aquele que estivera “possuído por uma legião” sentado, vestido e em perfeito juízo.

Para além da descrição do processo desobsessivo, podemos imaginar uma interpretação mais ampla para esta narrativa: como o encontro com Jesus muda a vida de uma pessoa?

Naturalmente não nos referimos aqui ao encontro presencial com Jesus. A literatura evangélica e espírita mostra que, para muitos, não é a presença de Jesus “em carne e osso” que provoca a mudança consciencial e de comportamento. É a compreensão de sua mensagem – ou boa nova.

Afinal, o que é o Espírito humano antes de começar a entender as ideias sobre amor ao próximo, bondade e justiça divinas, perdão das ofensas, exercício constante do bem, indulgência para com as limitações alheias? Sem estas ideias (e a sua vivência), estamos “possuídos” pela legião do orgulho, do egoísmo, da ignorância a respeito da realidade espiritual, da dificuldade de viver fraternalmente em sociedade. Nos fazemos adversários dos demais, e somos por eles tido como adversário. Podemos morar em uma boa casa, nos vestir corretamente, andar tranquilamente pelas ruas, falar fluentemente; mas, por dentro, habitamos cavernas, usamos trapos, andamos como morto entre mortos e gritamos dolorosamente.

Nos primeiros contatos com o evangelho (que para muitos de nós aconteceu em encarnações passadas), nossa reação é a mesma da legião: “que tenho eu com isso?”, “esse conhecimento é uma tortura”. Temos sede de libertação, mas não vemos como algo tão singelo como o evangelho pode ser libertador. E aqui temos outra imagem, que é a da escolha: alguns preferem continuar com os porcos, enquanto outros decidem ir para o lado de Jesus.

Feita a opção pela boa nova, um outro impulso surge: o de querer estar permanentemente com o libertador, seguindo-o para todos os lados, venerando-o e usufruindo da sua amorosa presença. Na passagem evangélica, o homem recém liberto suplica a Jesus “que o deixasse estar com ele”. Mas, a orientação do Mestre é: “vai para a tua casa, para junto dos teus”. Para um enorme grupo de Espíritos, representados por esta personagem, a vivência do evangelho não deve se dar em templos religiosos ou casas espíritas, mas sim na intimidade do lar.

Como vemos, talvez a narrativa não seja apenas sobre um homem possesso, mas sobre a história de todos nós.

Ely Edison Matos

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