CARE 60

Remendos

“Ninguém faz remendo de pano novo em roupa velha (…).” (Marcos 2:21)

Por que alguém faria remendo de pano novo em uma roupa velha? Talvez porque não tenha dinheiro para comprar uma roupa nova; talvez porque goste tanto da roupa velha que não quer se desfazer dela; talvez porque não tenha pano novo suficiente para fazer uma roupa inteiramente nova.

A mensagem de Jesus é o pano novo. Nossa mentalidade é a roupa velha. Embora a proposta tenha, no calendário da Terra, cerca de dois mil anos, não é difícil entender que, para a maioria dos Espíritos, ela é muito mais recente. E ainda mais recente é a consideração da mensagem evangélica sem os adornos mitológicos com os quais ela foi revestida.

Assim, podemos dizer que Jesus é realmente uma novidade. Mesmo a maneira que ele é apresentado pelo Espiritismo (por exemplo em [i] e [ii]) ainda não foi totalmente compreendida. Retirar de cena a “personagem” Jesus (motivo de milenares discussões estéreis) e focar no caráter essencialmente moral de sua mensagem é nosso trabalho de agora.  

Estas limitações fazem com que usemos o evangelho como um remendo. Nossa mentalidade ainda está marcada pelo egoísmo, pelo orgulho, pela visão materialista, pelos interesses imediatos, pela afetividade desequilibrada, pelas paixões em desalinho e pela parcial ignorância sobre nossa realidade como Espíritos. Quando esta mentalidade sofre um choque, um “rasgão”, em especial através de processos dolorosos, costumamos recorrer ao evangelho como um paliativo, um remédio passageiro, um curativo. Um remendo.

Usamos o evangelho para consolar a dor, mas não para evitá-la; usamos o evangelho para tentar perdoar as ofensas que sofremos, mas não paramos de ofender os outros; usamos o evangelho para experimentar a indulgência com as imperfeições alheias, mas não para superar as nossas próprias imperfeições; usamos o evangelho para atender as necessidades ao nosso redor, mas não conseguimos ver a nós mesmos como necessitados. Focamos nas dificuldades do próximo e esquecemos que somos o “próximo” dos outros.

É neste sentido que usamos o evangelho como um remendo. Mantendo a analogia com a roupa velha, talvez ainda não tenhamos a vontade necessária para renovar nossa visão de mundo[iii]; talvez a maneira como “somos”, mesmo que não estejamos felizes, é mais segura, mais conhecida, e estejamos apegados a ela; talvez o conhecimento que temos do evangelho ainda não seja suficiente para nos modificarmos inteiramente. 

Enfim, que continuemos refletindo sobre o papel do evangelho em nossa vida uma vez que, segundo Jesus, não se faz remendo “pois o pano novo puxa o tecido e o rasgo torna-se maior”.


[i] O Evangelho Segundo o Espiritismo. Cap. 1 item 3.

[ii] O Livro dos Espíritos. Questão 625.

[iii] O Livro dos Espíritos. Questão 909.

Ely Edison Matos

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