O Espiritismo é, de fato, cristão?
Frequentemente, alguns católicos e protestantes classificam o Espiritismo como não cristão por não pregar que Jesus seja Deus encarnado, não praticar os rituais/sacramentos, “negar” a ressurreição e outras questões. Pensando a partir desta definição de “cristão”, a afirmação é correta: o Espiritismo não seria cristão.

Entretanto, saindo do campo apenas de dogmas e entrando, de fato, na mensagem trazida por Cristo, nos seus ensinamentos morais, a questão já muda radicalmente de perspectiva. O Espiritismo é explicitamente claro ao colocar a moral de Jesus no mais alto grau:
“A moral que os Espíritos ensinam é a do Cristo, pela razão de que não há outra melhor.” (A Gênese, primeira parte, Cap I, item 56) [1]
“O Cristo foi o iniciador da mais pura, da mais sublime moral” (O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo I, item 9) [2]
Qual o tipo mais perfeito que Deus já ofereceu ao homem para lhe servir de guia e modelo? “Jesus.” (LE Q625) [3]
Peguei apenas três passagens, de três obras básicas distintas, convergindo na mesma ideia: a moral ensinada por Jesus é a mais perfeita que há – e é dever de todo espírita verdadeiro tentar segui-la. Neste sentido, sim, o Espiritismo é cristão.
“O ensino dos Espíritos é eminentemente cristão. Apoia-se sobre a imortalidade da alma, as penas e recompensas futuras, o livre-arbítrio do homem e a moral do Cristo. Não é, portanto, antirreligioso.” [4] A proposta do Espiritismo, consequentemente, não é suplantar a base do ensino cristão, apenas trazer certos mecanismos secundários que explicam eventos aparentemente “inexplicáveis” – como o sofrimento das crianças ou as aptidões inatas.
Fugindo de uma discussão sobre terminologias, o Espiritismo almeja adotar os ensinamentos morais de Cristo, não adentrando nos dogmas. “O Espiritismo é, antes de tudo, uma ciência; não cogita de questões dogmáticas. Ele repousa em princípios independentes das questões dogmáticas.” [5]
Ao considerar, corretamente, a moral de Cristo como a mais pura e mais sublime, fica uma pergunta: qual a necessidade do Espiritismo? Afinal, a revelação teria se encerrado em Jesus (ou no texto do Apocalipse). O próprio Catecismo da Igreja Católica diz, no parágrafo 66: “A Economia cristã, portanto, como aliança nova e definitiva, jamais passará, e já não há que esperar nenhuma nova revelação pública antes da gloriosa manifestação de Nosso Senhor Jesus Cristo”. Jesus mesmo disse que “os céus e a terra passarão, mas as minhas palavras jamais passarão” (Mt 24:35).
A resposta pode ser dada, primeiro, na continuação do mesmo parágrafo no Catecismo: “Todavia, embora a Revelação esteja terminada, não está explicitada por completo; caberá à fé cristã captar gradualmente todo o seu alcance ao longo dos séculos”. Mas por que será que a revelação não está totalmente explicitada? Jesus já não trouxe tudo?
Ele próprio disse aos seus discípulos: “Eu ainda tenho muitas verdades que desejo vos dizer, mas seria demais para o vosso entendimento neste momento” (Jo 16:12). Jesus reconhece que as pessoas de sua época não eram capazes de compreender tudo – o que é completamente natural. Jesus, o pedagogo por excelência – permita-me este termo – adaptou sua mensagem para as pessoas da época, ofereceu aquilo que eles seriam capazes de compreender. O erro está em “crer Deus muito pouco sábio para não proporcionar a revelação ao desenvolvimento da inteligência.” [6] Da mesma forma que “não ensinais às crianças o que ensinais aos adultos e não dais ao recém-nascido um alimento que ele não possa digerir. Cada coisa tem seu tempo.” (LE Q801).
Deus, sendo infinito, usa imagens e analogias para comunicar-se com a mente finita dos seres humanos. Sabendo que Deus acomoda a mensagem às limitações humanas, não seria esperado que a humanidade progredindo tenha maiores capacidades de compreensão? Que poderia haver uma outra chave de compreensão que escapou aos homens de dois mil anos atrás, mesmo aos apóstolos? Não há nada de ilógico nisso.
Como exemplo concreto, recorro, novamente, à Bíblia: “E, tomando consigo os doze, disse-lhes: Eis que subimos a Jerusalém, e se cumprirá no Filho do homem tudo o que pelos profetas foi escrito; Pois há de ser entregue aos gentios, e escarnecido, injuriado e cuspido; E, havendo-o açoitado, o matarão; e ao terceiro dia ressuscitará. E eles nada disto entendiam, e esta palavra lhes era encoberta, não percebendo o que se lhes dizia.” (Lc 18: 31-34). É difícil pensar numa forma mais clara para Jesus anunciar aos discípulos o que lhe ocorreria em breve; mesmo assim, eles não compreenderam.
Em resumo: “Jesus não disse tudo o que tinha a dizer, pela razão de que não o teriam compreendido nem mesmo seus apóstolos, visto que a eles é que o Mestre se dirigia. Se lhes houvesse dado instruções secretas, os Evangelhos fariam referência a tais instruções. Ora, desde que ele não disse tudo a seus apóstolos, os sucessores destes não terão podido saber mais do que eles, com relação ao que foi dito; ter-se-ão possivelmente enganado, quanto ao sentido das palavras do Senhor, ou dado interpretação falsa aos seus pensamentos, muitas vezes velados sob a forma parabólica.” [7]
Não à toa que Jesus prometeu: “Porém, o Paráclito, que é o Espírito de Verdade, que meu Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos fará recordar tudo o que vos tenho dito.” (Jo 14:26). Consequentemente, o Espiritismo “nada ensina em contrário ao que ensinou o Cristo; mas desenvolve, completa e explica, em termos claros e para toda gente, o que foi dito apenas sob forma alegórica.” [8]
Da mesma forma que Jesus disse “Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas: não vim abrogar, mas cumprir.” (Mt 5:17), o Espiritismo pode dizer “Não venho destruir a lei cristã, mas dar-lhe execução.” [9]

Referências bibliográficas:
[1] A Gênese, primeira parte, Cap I, item 56.
[2] O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo I, item 9.
[3] O Livro dos Espíritos, questão 625.
[4] Revista Espírita – Novembro de 1858: Pluralidade das existências.
[5] O que é o Espiritismo, capítulo I, terceiro diálogo.
[6] O Livro dos Médiuns, primeira parte, capítulo III, item 28.
[7] A Gênese, terceira parte, capítulo XVIII, item 37.
[8] O Céu e o Inferno, primeira parte, capítulo X, item 3.
[9] O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo I, itens 4 e 7.
Caio Silva de Almeida
Página 11