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Reencarnação: heresia, superstição ou fato da natureza?

A reencarnação é a volta do Espírito à vida corpórea, mas em outro corpo especialmente formado para ele. Esse ciclo de morte e renascimento pode ocorrer várias vezes, com a alma passando por diferentes vidas em busca de aprender, corrigir as faltas cometidas e se depurar. O objetivo seria “expiação, melhora progressiva da humanidade” (LE Q167).

Mas em que se baseia tal crença? “Na justiça de Deus e na revelação, pois incessantemente repetimos: o bom pai deixa sempre aberta a seus filhos uma porta para o arrependimento. (…) A razão no-la indica e os Espíritos a ensinam” (LE Q171). Como pode a razão no-la indicar?

Observando as pessoas, especialmente as crianças, é fácil perceber que elas são diferentes. Algumas crianças, apesar da educação, são mais tímidas, outras mais enérgicas; certas pessoas têm facilidade para, digamos, física ou matemática; vemos crianças, como Mozart, tocando piano belamente sem terem feito aulas. “Por que mostra a alma aptidões tão diversas e independentes das ideias que a educação lhe fez adquirir? Donde vem a aptidão extraordinária que muitas crianças em tenra idade revelam para esta ou aquela arte, para esta ou aquela ciência, enquanto outras se conservam medianas durante toda a vida? Por que, abstraindo-se da educação, uns homens são mais adiantados do que outros?” (LE Q222).

Como conciliar essas diferenças inatas com um Deus justo? Se Ele cria os Espíritos junto com o corpo, Ele estaria agindo com parcialidade [e injustiça], dotando uns com mais capacidades do que outros. Ou, então, todos são criados simples e ignorantes e vão progredindo gradualmente, sendo cada reencarnação um resultado de suas conquistas até agora.

Outro quesito que, sem a reencarnação, torna-se bem difícil de conciliar com o amor e a justiça divinos: deficiências congênitas graves. Por que Deus haveria de criar uma alma para viver toda sua vida com deficiências e dificuldades graves e altamente limitantes? Bem como os grandes sofrimentos da vida: por que uns sofrem muito mais, em situações independentes de seu comportamento? “Por virtude do axioma segundo o qual todo efeito tem uma causa, as vicissitudes são efeitos que hão de ter uma causa e, desde que se admita um Deus justo, essa causa também há de ser justa. Ora, ao efeito precedendo sempre a causa, se esta não se encontra na vida atual, há de ser anterior a essa vida, isto é, há de estar numa existência precedente” (ESE, cap. IV, item 4). Se a alma fosse criada imediatamente no momento da concepção, não se poderia explicar fatalidades como uma deficiência física ou mental grave. Se Deus é soberanamente justo, todo sofrimento há, pois, de ter a sua causa e a sua utilidade. Sofrimento sem causa é arbitrariedade injusta; sem utilidade é sadismo.

Por outro lado, com a reencarnação, “o homem explica todas as aparentes anomalias da vida humana; as diferenças de posição social; as mortes prematuras que, sem a reencarnação, tornariam inúteis à alma as existências breves; a desigualdade de aptidões intelectuais e morais, pela ancianidade do Espírito que mais ou menos aprendeu e progrediu, e traz, nascendo, o que adquiriu em suas existências anteriores” (GN, cap. I, item 34).

Caso se aceite que só temos uma vida, uma única chance, por que alguns vivem mais do que os outros? Se um vive 100 anos, terá muito mais tempo de se arrepender e “conquistar a vida eterna” do que um que morreu com 20 anos, por exemplo. Deus, sendo justo, deveria, no mínimo, proporcionar condições iguais de prova. Quem acharia justo, numa prova de vestibular, o avaliador dizer aleatoriamente aos alunos que uns terão 40 minutos, outros duas horas e meia, e outros cinco horas para prestarem a mesma prova que garantirá a vaga na mesma faculdade?

Se só temos uma chance, por que tais chances são tão desiguais? Imagine João, que nasceu numa família amorosa e católica praticante, sempre foi apresentado aos conhecimentos doutrinais, sempre foi incentivado a orar, se confessar, comungar, ler a Bíblia, praticar a caridade para com o próximo. Maria, por sua vez, nasce numa família negligente, abusiva, sem religiosidade ou princípios morais, envolvida no crime. Se as pessoas só têm uma chance — uma oportunidade — Maria está em muita desvantagem comparada com João.

Finalizando, e sobre o progresso da humanidade? Por mais que os noticiários mostrem várias aberrações e barbáries cometidas por seres humanos, é inegável que a humanidade progrediu quando comparada, por exemplo, com a época de Jesus. Se Deus cria as almas no momento da concepção, Ele as está criando mais adiantadas? Se todas são criadas junto com os corpos, deveriam ter as mesmas tendências de sempre, uma espécie de “configuração de fábrica”. Deveriam, em tese, ser muito parecidas — se não idênticas — às que viveram há 2 mil anos, há 5 mil anos e na época das cavernas. Ou, então, seriam as mesmas almas progredindo gradualmente? (LE Q789).

A reencarnação fornece explicação mais plausível para inúmeros fenômenos que observamos diariamente. Busquemos a fé raciocinada.

Caio Silva de Almeida

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