CARE 69

Aborto – fronteiras entre direitos e dilemas

É natural que um tema como esse, envolvendo tantas questões importantes – como sexualidade, conceito de vida, liberdade, autonomia –, desencadeie emoções acaloradas por onde passe. Apesar das dificuldades, é fundamental repensar o assunto. No mundo, o número de abortos está entre 40 e 55 milhões por ano. A título de comparação, a Primeira Guerra Mundial foi responsável por 15 a 20 milhões de mortes. Ou seja, anualmente, mais do que o dobro de bebês são abortados no mundo em comparação com quatro anos (1914-1918) de uma guerra mundial. Tudo isso deveria, pelo menos, nos levar a refletir sobre esta pauta.

A perspectiva central é se “aquilo” que está no útero da mulher é um ser humano ou não – afinal, isso muda tudo. Vamos em partes: da perspectiva espiritual, o Livro dos Espíritos (Q344) é muito claro ao afirmar que, desde a concepção, o Espírito já está designado/ligado ao corpo, definitivamente (Q345). O Espiritismo (LE, Q135) também mostra que o homem é formado de três partes: corpo, alma e perispírito. A conclusão natural é que: a partir da concepção, tem-se um corpo e, também, uma alma – logo, aquele embrião já é um ser humano, porque apresenta todos os requisitos necessários.

Tendo isso estabelecido, aquele ser humano – temporariamente no ventre materno – também possui seus direitos, como qualquer outro. E qual o primeiro de todos os direitos naturais do homem? “O de viver. Por isso é que ninguém tem o de atentar contra a vida de seu semelhante, nem de fazer o que quer que possa comprometer-lhe a existência corporal.” (LE, Q880). Essa hierarquia de direitos também está presente nas leis terrenas: um homicida perde seu direito à liberdade [é preso] quando fere o direito à vida de outrem [o assassina].

Para não deixar dúvidas, Kardec perguntou diretamente aos espíritos: Constitui crime a provocação do aborto, em qualquer período da gestação? E a resposta: “Há crime sempre que transgredis a lei de Deus. Uma mãe, ou quem quer que seja, cometerá crime sempre que tirar a vida a uma criança antes do seu nascimento, porque impede uma alma de passar pelas provas a que serviria de instrumento o corpo que se estava formando.” (LE, Q358).

No Evangelho Segundo o Espiritismo (Cap XXVII, item 21), lê-se: “O homem sofre sempre a consequência de suas faltas; não há uma só infração à lei de Deus que fique sem a correspondente punição.” N’O Céu e o Inferno (Cap VII, art. 3°), também diz que “não há uma única imperfeição da alma que não traga consigo suas consequências lastimáveis, inevitáveis”, bem como no Livro dos Espíritos (Q964): “Todas as nossas ações estão submetidas às leis de Deus. Nenhuma há, por mais insignificante que nos pareça, que não possa ser uma violação daquelas leis” ou “jamais fica impune a infração das leis de Deus e, sobretudo, da lei de justiça” (Q984). Ora, é de se esperar que a prática do aborto também gere consequências para quem o praticar, afinal, é uma infração à Lei Divina. Não com um intuito “sádico” de querer prejudicar, mas para auxiliar na reparação: “Que é o castigo? A consequência natural, derivada desse falso movimento [da alma] […]. O castigo é o aguilhão que estimula a alma, pela amargura, a se dobrar sobre si mesma e a buscar o porto de salvação. O castigo só tem por fim a reabilitação, a redenção.” (LE, Q1009).

Dito isso, as consequências do aborto, para o profissional da saúde que o executa, podem ser vistas no capítulo 31 do livro Nosso Lar. André Luiz relata uma enfermeira com dezenas de “pontos negros” em seu perispírito – cada um representando um bebê assassinado. Ela estava altamente perturbada e, como o Irmão Paulo diz: “trata-se de um dos mais fortes vampiros que tenho visto até hoje”. O bebê abortado, cuja existência é nula, a ser recomeçada (LE, Q357), pode desenvolver graves desafetos e revoltas contra a mãe a ponto de obsediá-la (No Mundo Maior – André Luiz, Capítulo 10).

Para a grávida, as consequências são mais sérias: estatísticas mostram que ter praticado um aborto aumentam as chances de: doenças mentais, se tornar alcóolica e de uso abusivo de drogas, desenvolver quadros depressivos, tentar suicídio, desenvolver câncer de mama, “síndrome pós-aborto”, transtornos afetivos… Do pondo de vista espiritual, o livro Evolução em Dois Mundos (segunda parte, cap XIV) diz que o aborto provocado é “seguido por choques traumáticos no corpo espiritual, tantas vezes quantas se repetir o delito de lesa-majestade […] carregando uma chaga que a todo instante se denuncia”. Também diz que, para as mães, “o remorso se lhes entranha no ser, […] assimilam as vibrações de angústia e desespero, de revolta e vingança dos Espíritos que a Lei lhes reservara para filhos”.

Infelizmente, muitas dessas consequências não são divulgadas às pessoas antes de tomarem suas decisões. Em especial sabendo que aproximadamente 95% dos abortos realizados são por escolha da mulher/razões eletivas, e não risco de vida à mãe ou violência sexual.

Após toda essa discussão, a pergunta que fica é: como, de fato, ajudamos essas mulheres? Já que abortar gera consequências negativas para todos os envolvidos, especialmente na ótica espiritual, as energias despendidas seriam mais úteis em promover suporte e informações às mulheres. Existem instituições que fornecem apoio material, fraldas, informações, grupos e redes de apoio [tanto para pais despreparados, quanto para mães solteiras].

E para as mulheres que já recorreram ao aborto? É importante lembrar que a misericórdia divina é infinita e Deus, em sua bondade, sempre oferece novas oportunidades para redenção e crescimento. Por misericórdia infinita, é preciso entender que Deus não é inexorável, e que deixa sempre aberta a porta do retorno ao bem.” (O Céu e o Inferno, cap VII art. 29°).

O arrependimento sincero é o primeiro passo, mas, é fundamental um sentimento verdadeiro, afinal, “Deus não dá valor a um arrependimento estéril, sempre fácil e que apenas custa o esforço de bater no peito.” (LE Q1000). Segundo o art. 16°/LE Q999 e 1002, percebe-se que o arrependimento sozinho não basta; são precisas ainda a expiação e a reparação”.

Dessa forma, é através do trabalho no bem que se encontra o verdadeiro equilíbrio com a própria consciência. Dedicar-se a ações que promovam a vida e o bem-estar das crianças, seja através de trabalhos voluntários, apoio a mães em situação de vulnerabilidade ou outras iniciativas, pode ser uma forma de transformar a dor e o arrependimento em gestos concretos de amor e reequilíbrio espiritual. Deus “não repudia nenhum de seus filhos” (O Céu e o Inferno, cap VII art. 4° e 20°) e está sempre pronto para acolher aqueles que buscam retomar o caminho do bem.

“Filhos pródigos, deixai o vosso voluntário exílio; encaminhai vossos passos para a morada paterna. O Pai vos estende os braços e está sempre pronto a festejar o vosso regresso ao seio da família.” (LE Q1009)

“A caridade cobre uma multidão de pecados.” (I Pedro 4:8)

Caio Silva de Almeida

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