CARE 64

Desapego

Eu e minha irmã Selminha estávamos apreensivos naquela ala do hospital. Nossa mãe Giancarla estava prestes a terminar sua encarnação. O corpo, bastante envelhecido, clamava pelo descanso. Nossa mãe, italiana, teve uma vida de muitas atribulações. Ficara viúva muito cedo e tudo fez para nos criar com dignidade. Bendita mãe Giancarla! O médico já havia nos avisado do fim próximo. Mas, qual filho entende isso? Para eles as mães deviam ser eternas. Não sei se é um tanto de egoísmo ou mesmo amor filial. Naquela tarde em especial, havia recebido uma condecoração no meu trabalho e ainda assim, nada fluía como bênçãos. Selminha recebera a notícia de ter atingido mais um patamar na sua carreira profissional. Tudo seriam bênçãos e glórias, contudo…

Às vinte e uma horas, o médico aproximou-se de nós. Estávamos assentados em poltronas confortáveis numa sala de espera daquele hospital. Ele não precisou dizer nada. Seu olhar foi o suficiente. Abraçamo-nos, eu e Selminha e o médico tentou nos confortar dizendo palavras que flutuaram e se foram. Nossa Giancarla também flutuava e se ia para algum lugar. Selminha chorava muito e eu continha as lágrimas. Havia muito a fazer; nossa mãe merecia um final digno junto a amigos e familiares. Então demos conta de tudo e na tarde do dia seguinte retornamos para casa sem ela. O que foi muito difícil. Entramos na angústia do luto.

Do outro lado da vida, a mãe de nossa mãe a recebia comovida. Giancarla, meio adormecida, olhava tudo e dava conta de que já não mais pertencia ao mundo dos encarnados. Minha avó dizia-lhe que havia preparado um bom local para sua recuperação pós-encarnação.

Os dias se passaram. Não tínhamos coragem de tocar em nada que pertenceu a ela e, no fundo do coração, chorávamos pela sua ausência. Uma noite sonhamos com ela. Estava mudada, mais jovem e sorridente. Contudo, uma nesga de tristeza pairava em suas faces róseas. Queríamos correr para abraçá-la, mas fomos impedidos por alguma força estranha. Ela nos olhava e sorria e nada falava. Mas a tristeza continuava e, quanto mais nos olhava, mais nos transmitia aquele sentimento. O sonho continuou e agora estávamos numa sala parecida com a do hospital e um senhor muito sábio e de porte seguro nos disse que nossa mãe precisava de paz.

Entendemos, então, o quanto a estávamos prejudicando com nosso luto interminável. Ela havia cumprido sua parte e retornava com os louros da vitória e nós, filhos egoístas, não a queríamos libertar. Foi aí que vi o quanto de prejuízo estávamos causando a ela.

Acordamos no dia seguinte e distribuímos para instituições aquelas roupas, sandálias, bolsas e tudo mais que pertencera a ela. Era um recomeço para nós e para Giancarla.

Há que se pensar nessas despedidas necessárias, sem os apegos que perturbam. O mundo espiritual está repleto de Espíritos cujas famílias não os libertam, e eles sofrem com isso, porque querem avançar, mas os choros, rogos e lágrimas os retém num lugar de tristezas e saudades. Pensem nisso. Libertem seus entes queridos. Eles merecem e vocês também.

Guaraci de Lima Silveira

Página 11